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The Plymouth-Dakar Challenge / 2008 ( 1 )

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    The Plymouth-Dakar Challenge / 2008 ( 1 )

    Não há Dakar, mas ainda há rali. Com menos meios, mas com muito espírito de aventura, dois portugueses predispuseram-se a percorrer vários quilómetros pelos caminhos precários do Norte de África.

    Rumo a Bamako



    Um carro com 22 anos, mais de 5500 quilómetros a percorrer pela costa africana e deserto do Sara, sem qualquer tipo de apoio ou ajuda de meios técnicos, contando apenas um com o outro e com as restantes equipas participantes. É assim que os dois amigos Sérgio Honrado e Paulo Viegas vão viajar durante 20 dias, de Lisboa até à capital de Mali, Bamako.
    O desafio Lisboa-Bamako 2008 é uma das rotas do projecto The Plymouth-Dakar Challenge, que teve início em 2002 para demonstrar ao mundo que sem dinheiro – ou pelo menos, com pouco – também é possível alcançar o que os grandes do Dakar alcançam. Aos participantes, é-lhes pedido apenas que consigam completar o desafio, dentro das regras – o carro não pode custar mais que cerca de 135 euros, e o custo da sua preparação não pode ir para além dos 20 –, findo o qual as viaturas são leiloadas e o montante arrecadado, entregue para obras de caridade, em África.

    Na companhia de equipas de vários pontos da Europa e até dos Estados Unidos, os dois aventureiros portugueses vão percorrer, a partir do dia 12 de Janeiro, o Sul de Portugal e de Espanha, Marrocos, o Sara Ocidental, a Mauritânia e o Mali.

    Espírito de amizade

    Sérgio Honrado tem 33 anos e é Director de Serviços de uma metalo-mecânica no Alentejo. O seu parceiro de 32 anos, Paulo Viegas, é funcionário nos serviços administrativos da Lusitania. Os dois amigos conheceram-se em 1996 na universidade, enquanto estudavam Engenharia Mecânica, e daí nasceu uma grande amizade entre os dois, que já dura há 12 anos.

    Há muito tempo que queriam fazer uma viagem, mas sempre consideraram que «fazer quilómetros só por fazer não fazia sentido», conta Sérgio, para além de «as suas condições financeiras não o permitirem», acrescenta. Até que Paulo descobriu o projecto Plymouth-Dakar Challenge, enquanto folheava uma revista de automóveis, e mostrou a Sérgio, que imediatamente se entusiasmou com a possibilidade da aventura.

    O desafio encaixava exactamente no que ambos procuravam: uma aventura, mas com um objectivo definido. O facto de poderem contribuir para uma causa deu o sentido que faltava à enorme vontade que já tinham de percorrer quilómetros em conjunto, como demonstração do companheirismo e amizade que possuem um pelo outro.

    O dinheiro do leilão do Belafonte – nome que deram à viatura – irá servir para levar água potável à aldeia de Dinfara, situada a cerca de 100 quilómetros de Bamako. Os aventureiros aproveitaram ainda a oportunidade para se associarem ao projecto Centro Comunitário de Promoção Social do Feijó, ajudando na sua divulgação.

    O impacto ambiental provocado pela viagem não foi esquecido, daí a preocupação em procurar uma solução que contrabalançasse o prejuízo causado. Assim, em parceria com a International Tree Foudation, irá ser calculado o CO emitido pelo tubo de escape do Belafonte, número que será convertido em árvores plantadas, posteriormente.

    Apesar de ser a primeira vez que viajam desta forma, a confiança que têm um no outro dá aos dois amigos a segurança de que tudo irá correr bem: «os dois juntos vamos até ao final do mundo», afirma Paulo.

    «Temos noção dos meios de que dispomos, sabemos que temos um carro velho e não um jipe», explica Paulo, por isso todos os trajectos e caminhos foram pensados tendo em conta os escassos meios de que dispõem.

    No caso de uma avaria grave, contam com o espírito de entreajuda no grupo, que é possível pelo facto de não se tratar de uma competição – como é o caso do Dakar. A ideia subjacente à aventura é a possibilidade de partilha de experiências com pessoas de culturas diferentes, desenvolvendo o espírito de equipa e de entreajuda. Não estamos perante carros que viajam individualmente, mas face a um grupo de pessoas que partilham um objectivo: viver uma aventura, chegar ao destino e poder ajudar alguém.

    Por isso, os dois amigos não têm quaisquer dúvidas de que chegarão ao destino: «Se não for no nosso carro, será no de outros; de alguma maneira vamos chegar», garantem.

    Uma aventura para todos

    Paulo e Sérgio têm algo a provar: não é preciso profissionais, carros especialmente preparados ou muito dinheiro para concretizar uma viagem deste calibre. Se os dois amigos são capazes de percorrer 5500 quilómetros por África, com um Renault 5 de 22 anos e pouco mais que uma tenda e um saco-cama, qualquer um pode, «basta vontade», diz Paulo.

    Na verdade, os aventureiros portugueses tiveram a sorte de poder contar com o apoio de várias empresas – revista VISÃO, Digal-Campingaz, Lusitania, Barros e Amado-Viagens e Turismo, Pneus dos Prazeres, Coperol, Auto-Ramalho, HME, MDI, Tribal Humano-Sk8shop, restaurantes Nariz de Vinho Tinto e O Conde, entre outras – que irão tornar a viagem mais confortável. A Junta de Freguesia do Pechão, no concelho de Olhão, também apoiou a dupla, constituindo a vila a primeira etapa da viagem. Mas Sérgio afirma que, «se não tivéssemos tido todo este apoio, faríamos a viagem na mesma, com os meios de que dispúnhamos».

    Quando souberam do cancelamento do Dakar, ficaram algo melindrados, não por receio de eventuais riscos que pudessem correr – pois esses, consideram que já existiam quando decidiram candidatar-se –, mas por o facto de manterem a viagem poder contribuir para a transmissão de uma ideia errada sobre a dupla – a imagem de uns «loucos suicidas».

    Os dois amigos preferem até não falar muito sobre o Dakar, pelo simples facto de se tratar de dois eventos completamente distintos. «Isto não é uma competição, não há vontade de sabotagem, ninguém quer sabotar um Renault 5 de 22 anos». Pelo contrário, os relatos de anteriores participantes mostram que, por onde quer que a caravana do Plymouth-Dakar passe, há uma grande vontade de ajudar por parte de todos. «Há muito espírito de entreajuda, todos querem que cheguemos ao destino», diz Paulo.

    Assim que tomaram conhecimento dos atentados, Sérgio e Paulo procuraram informações, inclusivamente através de equipas do Plymouth-Dakar que se encontravam no momento na Mauritânia, a efectuar outras rotas do desafio. A informação a que tiveram acesso indicou que, neste momento, poderia até ser mais seguro andar nas ruas da Mauritânia, dado o aumento de vigilância policial. «Não somos nenhuns doidos suicidas», reitera Paulo, «os riscos que existem agora, são os mesmos que existiam antes, quando nos candidatámos».

    Se tudo correr como previsto, teremos os dois aventureiros de volta a Portugal no dia 4 de Fevereiro, já sem o seu Belafonte, mas, com certeza, com muitas histórias para contar.




    Sábado, 12/Jan - 750 km

    Partida da Torre de Belém por volta das 9h15. Foi uma partida memorável, como apoio de todos os amigos.

    Chegamos a Pechão pelas 13 horas, um pouco mais tarde que o previsto. Em Pechão, aguardavam-nos (jornais locais e uma rádio) para uma pequena conferência de imprensa e almoço. Este gentil convite da Junta de Freguesia do Pechão revelou-se tão acolhedor que acabámos por ficar mais que o previsto inicialmente... e deixou-nos com umas horas de atraso. Gente simpática, dinâmica, com imensa vontade de fazer notar que o Pechão faz parte importante da nossa história, movida pelos mesmos princípios da nossa aventura, coragem, persistência, solidariedade. Por nos identificarmos com estas gentes, prolongamos a visita.

    Chegamos a Algeciras a meia noite. O Hotel estava fechado... dormimos no carro.


    Domingo, 13/Jan

    A noite no carro foi difícil... o espaço não é muito. Estavam cerca de dez graus. Check in no Las Camelias e algumas alterações no carro que esteve até aqui perfeito. Aguardamos a chegada das outras equipas, e aproveitamos para procurar Internet e visitar Soutogrande, onde fica o hotel, perto de Algeciras. Não há muito para ver, não ha Internet... fomos para o hotel descansar, enquanto as equipas continuavam a chegar, maior parte delas, vindas do Reino Unido. Quase todas as eauipas trazem 4x4... mas todas se querem sentar no nosso pequeno Belafonte.

    O jantar foi perfeito, com todas as equipas. Ficámos com 2 equipas inglesas para percorrermos Marrocos. Deitámo-nos cedo para acordar pelas 5h00. Destino: Ceuta e entrar em Marrocos, amanhã cedinho.




    Segunda-feira, 14/Jan - 130km

    Apanhámos o ferry às 8h30. Preferimos entrar por Ceuta em vez de Tanger, apesar dos avisos em contrário, mas percebemos que de um lado ou outro seria difícil, pelo que optámos pelo caminho mais curto. Atravessámos o estreito de Gibraltar em menos de uma hora e a entrada em Marrocos não poderia ter corrido melhor... já tínhamos seguro e foi tudo muito rápido. Subornos? Umas canetas em forma de agradecimento pela rapidez e simpatia com que fomos tratados... e cinco euros. Nós passamos bem, a equipa Steel Camel também, mas a terceira equipa que nos acompanhava ficou para trás e soubemos que foi retida pelas autoridades por tirar fotos na fronteira...

    Seguimos via Tetouan para chegar a Chefchaouen, onde nos encontramos de momento.

    A chuva acompanha-nos desde manhã e ainda se faz sentir... também está muito frio... já compramos roupas locais para maior conforto e discrição.. O tempo não está a ajudar para melhores fotos e o dia foi passado na estrada. Vamos agora perder-nos nesta simpática cidade e tirar melhores fotos, espero eu. As cores, estão todas cá.

    Amanha partimos para Fés... o Belafonte tem sido um exemplo.


    Terça-feira, 15 de Janeiro - 220km

    Acordámos cedo para sair de Chefchaoune. A cidade acorda tarde, ou pelo menos, mais tarde que nós. Hoje está sol e tentamos aproveitar o acolhedor terraço do nosso «hostal» para tirarmos umas fotos antes de partirmos.

    Chegámos ao carro e constatámos que outras equipas também ficaram nesta agradável cidade.

    Sempre com a simpática dupla inglesa, concordámos em tomar o pequeno-almoco no caminho. A viagem foi brindada com muito sol e paisagens magníficas do Riff, a parte do nevoeiro intenso nos primeiros quilometros... parámos mais que uma vez para tirar fotografias. Notámos a presenca de bastantes patrulhas de polícia e conseguimos passar por todas sem problemas, à excepção de uma, que recomendou aos Steel Camel para não pisarem mais traços contínuos... mandaram-nos seguir, sem multas, só sorrisos! Estamos a ser muito bem tratados.

    A estrada para Fés, nosso destino, é muito boa, com paisagens que nos distraem da condução algumas vezes. Parámos para fazer chá e tomar o pequeno-almoço. No meio da manhã, apanhámos uma parte da estrada cortada que nos fez testar as características todo-o-terreno do Belafonte... passamos devagar, com muita calma e não tivemos qualquer problema. A meio caminho celebramos os primeiros 1000km do Belafonte desde Belém!

    Foi fácil arranjar quarto em Fés, preferimos nao ficar junto a Medina e optámos por um hotel na parte mais recente da cidade. Ainda temos o carro com alguma carga e, na impossibilidade de acampar, tentamos escolher hotéis com parques para estacionar. O Hotel Royal é um hotel humilde - parece um hospital antigo - com um quintal onde podemos parar o carro e até reparar alguma avaria - os Steel Camel perderam a tampa do radiador e nós improvisamos uma! Amanhã veremos como corre!

    Cumpridas as formalidades na recepção do hotel, apanhamos dois petit taxi para a Medina de Fés. No interior das muralhas da Medina, encontram-se todos os cheiros, cores e sabores. Optámos por não levar guia e andamos pelas ruas «perdidos», entrando ocasionalmente em lojas e ruas escuras, muitas delas sem saida. Escolhemos um dos muitos pequenos balcões onde cozinham a nossa frente. Num cantinho de 4 metros quadrados, cabem duas pequenas mesas, um fogão e uma pequena arca frigorífica onde estão todos os ingredientes... pedimos todos os ingredientes dentro de um pão pita - foi a melhor refeição até agora, batendo de longe o kouskous e as espetadas de pollet do jantar de ontem!

    A Medina é enorme, pelo que quando saimos do salão de chá, onde tomámos o nosso já habitual chá de menta, começava a escurecer... tempo de apanhar um táxi e regressar ao Royal Hotel para repararmos o «Camelo de Metal».

    Amanhã partiremos para Marrakesh. Sentimos que Fés é uma cidade para se passar mais tempo, mas temos um calendário para cumprir e Marrocos tem muitos locais interessantes -Recomendamos, sem duvida.

    Hoje encontrámos internet mais rápida e com teclado um pouco menos gasto, se bem que ainda é complicado adivinhar o local dos assentos e pontuação... e muitas vezes impossível! Proxima viagem: trazer um teclado!
    Editado pela última vez por RPalma; 09 February 2008, 20:02.

    #2
    The Plymouth-Dakar Challenge / 2008 ( 2 )

    Quarta-feira, 16 de Janeiro - 700km

    Fés, uma cidade onde se podem passar dias e dias de formas diferentes. Mas não é sobre Marrocos que se trata esta viagem. É fácil perdermo-nos entre as atracções deste país, desconcentrarmo-nos do nosso objectivo e foi um pouco isto que aconteceu nos últimos dois dias. Temos que chegar a Dakhla no próximo domingo. Combinámos com todas as equipas encontrarmo-nos neste local por ser o mais a sul, antes de entrarmos na Mauritânia. Temos, portanto, de fazer quilómetros! Aproveitar o excelente estado do Belafonte e ir sempre para sul, o mais que pudermos, sempre que possível.

    De manhã propus aos Steel Camel ir directamente para Essaouira, sem parar em Marrakesh. Sei que eles pretendiam passar um dia em Marrakesh, mas o espírito da viagem falou mais alto e acabámos por concordar, todos que isto não se trata de um passeio turístico - queremos chegar a Bamako! Com os mapas em cima da mesa, ao pequeno-almoço, calculámos a distância que nos propunhamos percorrer... 700km! É muito! Mesmo para um Renault 5! Como sempre, chegámos a acordo: chegar a Marrakesh e optar por seguir se as condições o permitissem... entendam-se por condições o nosso cansaco, o do carro, o dos Steel Camel e a mais importante e para a qual já tinhamos criado uma regra - não conduzir a noite, a não ser se for extremamente necessário!

    Partimos do Hotel Royal por volta das 8h da manhã. As estradas por entre as montanhas do Middle Atlas revelam-nos paisagens indescritíveis! É impossível descrever a sensação de conduzir nestas estradas, por entre estas paisagens, na companhia do nosso melhor amigo, com a banda sonora perfeita, muito sol... e neve!

    Pensavamos que tinhamos tudo sob controlo, quando o Belafonte deu o primeiro sintoma de cansaço... por segundos fiquei triste, mas depois, só muito envergonhado... enganámo-nos na conta dos quilómetros e como o manómetro do nível da gasolina está avariado, o carro parou! Nao era cansaco, era fome! Claro que parou num local perfeito, cheio de neve! Se não tivesse parado, nunca teríamos descoberto Ifrane, uma pequena aldeia não muito distante de Fés, distinta das restantes, pela sua organização, arquitectura e paisagem envolvente. Construída pelos Franceses em 1930, Ifrane é uma aldeia repleta de chalets e pequenas moradias. O sossego pede que se disfrute mais esta aldeia, mas temos de encontrar uma estação de serviço e voltarmos a estrada. Fomos buscar gasolina de boleia no «Camelo de Metal».

    Depois de abastecermos e das inevitáveis brincadeiras na neve, fizemo-nos à estrada para só pararmos por volta das 13h30 para almoçarmos. Escolhemos um local não muito distante da estrada, mas deserto, para fazermos um breve piquenique. Claro que apareceram crianças, claro que lhes oferecemos algumas guloseimas e umas canetas e réguas... trocámos algumas palavras, aprendemos novos nomes e espalhámos mais sorrisos!

    Depois do almoço, só parámos para abastecer, antes de chegar a Marrakesh. Andámos muito e sempre a bom ritmo. Os Steel Camel acompanharam-nos sempre de perto. A nossa improvisação para o radiador deles está a ser um sucesso! «So far, so good», dizem-nos repetidamente.

    Chegamos a Marrakesh as 19h30, já noite. Tinhamos percorrido 500km. Parámos para limpar os faróis e vidros na tentativa de melhorar a visão da estrada. Resultou. Estavamos preparados para mais 200km. Atravessamos Marrakesh em hora de ponta... não é difícil, basta adoptarmos a regra local - andar como se fossemos os únicos e prioritários! Correu bem, ninguém nos buzinou... se fosse em Portugal teríamos ficado sem carta!

    Perdemos a conta as brigadas policiais que encontrámos durante todo o dia. Se por um lado nos obrigam a reduzir bruscamente a velocidade, por outro transmitem-nos bastante segurança. Até agora, passámos em todas com um aceno e um sorriso, mútuos.

    Por entre cafés, chás, cansaço, novos ruídos na suspensão (nada de grave!) e 14 horas de condução, chegamos a Essaouira. Conhecida como uma cidade costeira simpática e calma, e uma atracção para quem procura descanso e boa praia... Optámos por acampar. Julgo que fizemos mais de 20km a procura do Parque de Campismo... depois de o encontrarmos, fomos rápidos a montar tenda, cozinhar o jantar e adormecer!...

    Amanhã, faremos uma pequena visita a esta cidade famosa pelas realizações cinematográficas de Orson Welle's com a sua versão de Othello; Ridley Scott, Oliver Stone, entre outros e iremos mais para sul... provavelmente até Tiznit, sempre com os fiéis amigos Steel Camel.



    Quinta-feira, 17 de Janeiro - 400km

    O parque de Campismo em Essaouira é simpático e tem água quente! Depois de recompostos, visitámos a Medina da cidade e as inúmeras esplanadas convidativas por baixo de um Sol radiante. Julgo que não iremos necessitar, tão cedo, dos «jellaba» (vestes tradicionais feitas de lã) adquiridos em Cheffchaoune... só as noites continuam frias.

    Em Essaouira notámos a presença de mais turistas, talvez pela descrição nos guias de um local tranquilo, óptimo para relaxar das agitantes Fés e Marrakesh. Após um breve passeio, almoçámos num pequeno restaurante cheio de locais e famoso pelos óptimos Shoarmas... confirmámos - a melhor refeição até aqui! Bebemos mais um chá, visitamos a Place Orson Welles e fizemo-nos a estrada, com destino a Tiznit, passando por Agadir.

    Agadir, fundada no sec XV por mercadores portugueses para negociar com as caravanas vindas do Sahara, é hoje uma cidade portuária extremamente turística, provavelmente a mais turística até aqui. São muitos os carros de matrícula estrangeira e muitos os hotéis de luxo, pelo que a paragem foi breve, apenas para abastecer os Steel Camel. Prosseguimos viagem e chegamos a Tiznit já ao anoitecer... nas estradas da costa Atlântica, somos mandados parar pelas autoridades diversas vezes, apenas para controlo e verificar documentação, tudo sempre com muita simpatia.

    Em Tiznit, ao entrarmos na medina, fomos recebidos por um grupo de crianças mascaradas, festejando um pequeno carnaval local... Encontrémos um modesto hotel no centro da medina, onde ficamos. De Tiznit, pouco há a dizer. Chegámos de noite e queremos partir bem cedo pela manhã.



    Sexta-feira, 18 de Janeiro - 550km

    Os Steel Camel sugeriram um percurso fora de estrada, para testarmos os carros antes da Mauritânia onde prevemos estradas piores e muitos quilómetros em areia. Pareceu-nos razoável, até porque em caso de azar, poderemos reparar alguma avaria mais grave em Laayoune, a proxima cidade que pretendemos alcançar amanhã. Seguimos o carro deles e verificamos no mapa a existência de uma estrada classificada como «realizável sempre que as condicoes atmosfericas permitam» - como o dia é de sol, pensámos ser fácil... mas não foi! Aliás, foi impossível!

    Depois de cerca de 40km por estradas pouco recomendáveis, chegamos a um local de acesso impossível para os nossos carros e até alguns 4x4... mas o pior foi constatarmos que não conseguíamos voltar para trás... tínhamos descido por uma estrada tão má que nem o nosso Belafonte nem o «Camelo de Metal» tinham força suficiente para voltar a subir... acrescendo o risco da largura da estrada ser pouco maior que os carros e o precipício, apesar de não muito alto, metia respeito... neste momento, onde o cansaço acumulado pelas tentativas em sair dali se juntou à realização de que era impossível sairmos pelos nosso meios, lembrámo-nos de todos os nossos amigos e apoiantes que nos acompanham e a quem iríamos , certamente, desapontar por culpa de uma má leitura de mapas... foi, até agora, o momento mais difícil pois tivemos de lidar com a nossa frustração e também com a dos Steel Camel.

    Mas é tambem nestes momentos que descobrimos bons amigos e sentimos que nem nós os abandonaríamos, nem eles a nós, pelo que começámos a pensar em salvar pelo menos um carro, o mais leve, o Belafonte!... com este espírito de entre-ajuda veio uma grande ajuda da encosta da montanha - um casal francês, com um 4x4, viu-nos em apuros e veio em nosso auxílio. Têm uma casa na montanha de onde vêem a enconsta onde nos encontravamos e de onde já rebocaram dezenas de viaturas, jipes incluídos. Este senhor, experiente nestas andanças, tirou-nos a reboque do seu jipe... primeiro a nós, depois aos Steel Camel... foi um momento de grande tensão... ninguém pensou em fotografias. Depois do pior, para deixar os carros arrefecer do esforço que lhes impusemos, recuperámos energias e prometemos, uns aos outros, poupar a mecânica o mais possível e nunca, jamais, fiarmo-nos em estradas, que apesar de aparecerem no mapa, nos desviem da rota principal.

    Prosseguimos viagem ao longo da costa, fomos mandados parar em todas as entradas das aldeias, só para mostrar documentos. Acampamos a 30 kms de Tarfaya, junto ao mar. Estavamos exaustos, foi um dia longo, mais de 500km, 200 dos quais, a noite. Amanhã pretendemos acampar perto de Boujdour, a 250km de Dakhla, onde nos reuniremos com todas as equipas, antes de entrarmos na Mauritânia.



    Sábado, 19 de Janeiro - 450km

    Acordar junto ao mar tem outro sabor. A falésia onde acampámos ontem, revelou-se ainda mais bonita ao nascer do sol... tivemos sorte, outra vez, ninguém deu pela nossa presença e aparte do frio, foi uma boa noite de descanso. Hoje pretendemos ficar em Boujdour, já no Sahara Ocidental. É uma estrada monótona e sem muito para ver, mar à direita, deserto à esquerda e durante alguns quilómetros, deserto a perder de vista de ambos os lados! Aparecem as primeiras placas a alertar para a travessia de camelos... e eles aí estão. Calmos, lentos no passo, parecem ignorar-nos. Tentámos aproximar-nos para umas fotos, mas as distâncias enganam e o calor aperta.... quando demos por nós, os carros estavam bem longe... mas foram muitos os que avistámos no caminho e alguns bem próximos da estrada... uns mais corajosos e menos atentos obrigaram-nos a algumas travagens mais fortes!

    Prosseguimos até Laayoune para abastecer combustível. Laayoune é uma cidade com cerca de 200 mil habitantes. É a cidade principal do Sahara Ocidental pelo que a nossa expectativa era de um meio mais cosmopolita e não o «deserto» que encontrámos. Não há muito, ou nada, para ver em Laayoune. Como era hora de almoço, estava quase tudo fechado, excepto algum comércio e um ou outro restaurante, onde acabámos por almoçar.

    Já se nota a escassez de estações de serviço e por esse motivo, enchemos os nossos dois jerricans com gasolina (já ficámos parados uma vez, não queremos repetir a proeza!)... mais peso, mas o Belafonte não se nega a nada!

    De novo na estrada rumo a Boujdour. Combinámos encontrarmo-nos lá com outra equipa que conduz um 4x4, os «Rufus»... é capaz de dar jeito nas areias do deserto! A estrada é cada vez mais monótona. O calor aperta e pouco resolvem os vidros abertos... Estamos cansados e só pensamos em chegar, acampar e dormir!

    Chegámos a Boujdour pelas 17h30. Fomos rodeados por criancas que nos pedem lembranças e dinheiro... pedem-nos tudo o que vêem dentro do carro... sempre que se aproxima a polícia, fogem e voltam passados poucos minutos. Não podiamos sair dali, uma vez que a equipa «Rufus» ficou de nos ir buscar a entrada da cidade, resta-nos esperar e tentar ensinar algumas palavras em português às crianças que vão chegando em maior número e ficando mais agressivas e exigentes nos pedidos... até que chega a polícia e nos aconselha vivamente a sair dali, por causa das crianças! Nao percebi o motivo, as crianças tinham entre 6 a 12 anos...

    Entretanto chegam os «Rufus» que nos falam de um hotel onde estão hospedados por um preço incrível, com banho quente, parque para o carro, televisão e internet! Conferimos o preço do parque de campismo e concluímos que ficava mais barato o hotel... e as palavras «banho quente» ganharam outro significado, de maior valor e prioridade! O hotel é impecável, o gerente, Abdhu, e extremamente simpático e depois de jantar ficamos a conversar um pouco... humildemente, pediu-nos sugestões para melhorar o serviço e inclusive se deveria baixar o preço... por 5 euros, o hotel de Abdhu e mais que em conta e de longe o mais confortável até agora... e provavelmente o último até Mali!



    Domingo, 20 de Janeiro - 350km

    O dia começou cedo, depois de um pequeno-almoço especial no hotel do simpático e disponível Abdhu. Entrámos na estrada principal com destino a Dakhla, uma península na costa do Sahara Ocidental, ponto de encontro de toda a caravana e última paragem antes da Mauritânia. O encontro será no parque de campismo e onde todas as equipas terão oportunidade de descansar um dia e reparar os carros, se necessário.

    Na estrada, lutávamos contra o vento forte que se fazia sentir e, com este, a areia no ar impedia-nos de abrir as janelas! Estavam mais de 30 graus dentro do carro, a visibilidade, muitas vezes era nula, obrigando-nos a baixar o ritmo de muito devagar a quase parado!... e foi neste momento que o Belafonte comecou a falhar... já lá vão mais de 3 mil quilómetros e até agora, nenhuma avaria, enquanto que quase todas as outras equipas já tiveram um ou outro episódio para contar... como levámos gasolina extra e o manómetro do nível de combustível continua avariado, pensei que fosse falta da mesma, portanto, nova paragem para atestar... mas ao arrancar o engasgar do motor continua e as preocupações começam... acordámos com a restante caravana seguir a frente, pois em caso de avaria eles podiam ver-nos parar... e começámos a abrandar, de repente o motor voltava a trabalhar normalmente e falhava passados alguns km e voltava a normalizar outra vez... foi assim durante cerca de 150km! Na primeira oportunidade que tivemos de parar, numa estação de serviço abandonada, estacionámos num local abrigado, limpámos filtro de ar, improvisámos uma nova entrada de ar, mais abrigada, e o motor falhava na mesma... o filtro da gasolina parecia limpo... até que verificámos a gasolina que acabámos de comprar em Laayoune- parecia água! Era incolor, quase não cheirava a gasolina!

    Resolvemos colocar mais um pouco de octane-booster no depósito e foi uma maravilha até Dakhla! Excepto o vento forte que nos perseguiu durante todo o caminho, com a areia que nos impediu de abrir as janelas e o calor a acumular dentro do carro... Quando entrámos na península de Dakhla, o vento parou, o calor continuou e o parque de campismo é junto a uma praia quase deserta... Foi o dia mais tenso por causa das falhas no motor. É nestes momentos que sentimos a fragilidade da nossa missão, que sentimos que poderemos não conseguir, que poderemos não estar a altura dos conhecimentos mecânicos necessários... sempre que notamos uma avaria, somos invadidos por uma sensação de incerteza, mas é esta mistura de sensações, receios e pequenas vitórias que nos fazem sentir a bordo de uma verdadeira aventura, onde vamos acumulando novos amigos e reforçando a nossa auto-confiança sempre que alcançamos mais um destino... estamos ansiosos por chegar a Bamako! Já chegamos a meio! Dakhla era uma meta importante! Venha a próxima!
    Editado pela última vez por RPalma; 09 February 2008, 20:03.

    Comentário


      #3
      The Plymouth-Dakar Challenge / 2008 ( 3 )

      Segunda-feira, 21 de Janeiro - Dakhla - 0km

      Dia de descanso e preparação para entrar na Mauritânia. Sabemos que iremos necessitar de mais fiches pois o controlo entre cidades na Mauritânia é muito rigoroso, segundo informações locais. As fiches são umas folhas impressas onde consta toda a informação referente aos nossos dados pessoais e aos do carro. Juntei-lhes tambem uma fotografia tipo passe para a informação ser o mais clara possível... No entanto, já só temos cerca de 15 fichas de cada um e ouvimos dizer que na Mauritânia seriam necessarias mais de 30 de cada! Percorremos Dakhla em busca de casas de fotocópias e de aditivo para misturar na gasolina - as falhas de motor continuam! Nao encontrámos aditivo e, quanto às fotocópias, foi uma sorte a loja estar aberta... 40 fiches depois, atestámos o depósito e os três jerricans (entretanto comprámos mais um) e ficou decidido que daqui em diante, sempre que disponível, compraríamos combustível!

      Regressámos ao acampamento para descansar um pouco... e mais uma limpeza de carburador.
      No final do dia, depois de jantar, reunimo-nos com as 3 equipas que decidimos acompanhar na travessia da Mauritânia. Arranjámos um guia que nos levaria até Noadhibout, primeira paragem na Mauritânia.

      Existem duas formas de atravessar a Mauritânia:

      - Por alcatrão, onde o único risco presente é sermos abordados por alguém com intenções menos boas, ou despistarmo-nos por causa dos buracos que dizem existir ou ainda pela circulação de animais na estrada... desde camelos a cabras e burros, há de tudo por ali...

      - Pelas areias do deserto do Parc National du banc d'Arguin, terminando na praia de Mamghar, voltando ao alcatrão até à capital Nouakchott. Esta opção implica mais de 500 km de areia, pedras e um calor terrível...

      O Belafonte tem sido um excelente carro. As três equipas decidiram atravessar o deserto. Juntando a nossa vontade e curiosidade em conhecer «o deserto» aos descritos anteriormente, optámos também pelo deserto! Nao faz sentido separarmo-nos na Mauritânia e poderá ser até um risco viajarmos sózinhos...
      Até aqui, ambas as excursões do PBC seguem este trajecto, pelo que será certo cruzarmo-nos com equipas que rumam à Gâmbia...

      Uma boa noite de sono e tudo a postos para a Mauritânia! Fica para trás Marrocos, um destino a repetir, mas com mais calma!



      Terça-feira 22 de Janeiro Dakhal-Noadhibout (Mauritânia) - 450km

      A despedida de Marrocos foi tudo em contrário à chegada. Realmente este país gostou de nós e dificultou-nos a saída ao máximo... A começar com um temporal de areia e vento que se fez sentir logo à saída de Dakhla, que tornou o ceu cinzento e descolorou toda a paisagem para uma mancha de cinzas, nada confortável. O carro estava bom e correu tudo bem até à fronteira... aí começaram as burocracias, as filas de espera, o vento e areia na cara (mesmo muita areia), mais espera e novas burocracias... felizmente, não nos revistaram o carro e pudemos atravessar a Terra de Ninguém. A Terra de Ninguém não é uma estrada mas sim um caminho entre pedras, delineado por carroçarias de outros carros que se atreveram a procurar outros caminhos, que se dizem minados! Não contamos os km percorridos nesta «estrada» mas dizem-nos que foram 12... os piores 12 km até agora, se não contarmos com a aventura entre Tiznit e Tarfaya!

      Depois da Terra de Ninguém, chegámos à fronteira da República Islâmica da Mauritânia... Mais burocracias, mas não muito demorado... em quatro horas tínhamos tudo tratado e seguíamos para Noadhibout... chegámos de noite ao Camping Le Bouchon... A cidade não tem qualquer planeamento e as construções são muito humildes... alguém no nosso grupo brincou comparando com Beirute... e realmente são as imagens que me vêm à cabeça...

      Tratámos dos seguros e trocámos alguns euros. Não exitem ATM e é impossível levantar dinheiro no banco por causa do nosso planeamento... amanhã pelas 8 horas: Deserto!



      Quarta, Quinta e Sexta-feira, 23, 24 e 25 de Janeiro - Noadhibout - Parc National du Banc d'Arguin (PNBA) - Nouakchott - 520km

      Ahbdu, nosso guia, segue no carro dos Rufus, um Mitsubishi Pagero, depois os Steel Camel na sua Opel Astra, nós no Belafonte e os Scorpians num Land Rover Discovery. Juntou-se também a nós uma equipa que ruma a Banjul, na Gâmbia, um casal com os seus 60 anos, que conduzem um Peugeot 106.

      A entrada no deserto é desastrosa para os Steel - andaram 10 metros e ficaram parados, com areia por meio das rodas. Nós tomámos balanço e passámos por eles para parar em terreno mais sólido para os ajudarmos - é este o espírito deste evento: ajudarmo-nos uns aos outros nesta travessia que se adivinha difícil... O nosso Belafonte não terá sido construído para estes percursos, mas até nós ficamos surpreendidos com a prestação do carro! A condução na areia assenta num único princípio - suavidade! Nada de movimentos bruscos ou acelerações desnecessárias! O Belafonte passou todos os obstáculos, inclusive alguns onde ficaram alguns 4x4... mas claro que também fomos ajudados pelos Scorpians e Rufus em situações menos fáceis, sempre por culpa da nossa curiosidade e falha de leitura do terreno. A condução é intensa e qualquer distração pode ser fatal, ou ter consequências menos agradáveis... Também é difícil guardar a distância para o carro da frente, pois se deixamos muita, perdemo-los de vista, se deixamos pouca, podemos acertar-lhes ao pararem bruscamente num monte de areia. Mas o deserto não é só feito de areia, aliás a areia é a parte fácil... os caminhos sem areia, por culpa do vento, deixam o solo completamente duro, com uma rugosidade que faz doer só de ouvir os barulhos da nossa suspensão... que entretanto vai piorando e a nossa preocupação aumentando... no final do primeiro dia, estamos muito reticentes quanto ao nosso objectivo - chegar a Bamako parece uma fasquia muito alta, atendendo ao estado da nossa suspensão... invadem-nos as dúvidas sobre a escolha errada de trajecto; talvez o percurso correcto fosse por alcatrão... mas depois chegam o pôr-do-sol e a lua-cheia e parte destas dúvidas desvanecem... Sentimos falta dos amigos e familiares a quem nunca conseguiremos explicar e descrever as vistas que nos rodeiam, nomeadamente no final e princípio do dia!

      No segundo dia cruzámo-nos com três equipas que seguem para Banjul... passaram por nós muito depressa... quando parámos para almoçar, Ahbdou foi contactado pelo guia responsável desse grupo: Pediam-nos que fossemos, com um dos 4x4, buscar uma das equipas que tinha capotado com alguma violência... sem feridos felizmente e incrivelmente, dado o estado do carro!

      Na sua missao de salvamento, os Rufus tiveram uma avaria grave no motor, pelo que coube aos Scorpians irem buscá-los. O carro dos Rufus morreu e foi doado a Ahbdu... não havia outra solução. Durante este tempo, reparámos a nossa suspensão e ainda jogámos à bola com as crianças de uma tribo local com a qual fizemos amizade.

      No final do dia, tínhamos menos um carro e mais duas pessoas! Decidimos, entre todos, abandonar tudo o que não nos fosse extremamente necessario no futuro. No nosso caso: dois pneus suplentes, várias peças suplentes e escolhemos quase toda a roupa para doarmos na simpática tribo, nossa vizinha nessa noite...

      Na manhã seguinte, passados 10km tivemos um furo... só conseguiamos pensar nos dois suplentes que deixamos para trás... ainda bem que trouxemos três, mas mais um furo e poderá ser o fim!

      Um dos Rufus, o Rob, veio no nosso carro até Nouakchott, tendo o privilégio de andar no banco de trás do Belafonte durante todo o trajecto da praia e ainda algum deserto... no final do dia, quando apanhavam o táxi para seguir para o aeroporto e voltar para casa, os Rufus deram-nos os parabéns pela nossa condução suave e que, desta forma, poderíamos estar certos que chegaríamos a Bamako!

      Dormimos em Nouakchott, capital da Mauritânia. A cidade pareceu-nos deserta uma vez que já chegámos de noite... foi difícil encontrar um lugar para jantar... a despedida dos Rufus foi muito sentida entre todos... mas estamos muito contentes por termos passado mais esta etapa, que segundo alguns, é a mais difícil de toda a viagem... durante o jantar, arriscámos até a festejar os feitos e a celebrar a aventura, como se fosse o dia de chegada a Bamako... mas está sempre presente um pequeno receio do dia seguinte... que estradas vamos apanhar e, para além de tudo, estamos na Mauritânia!




      Sabado, 26 de Janeiro - Nouakchott-Kiffa 600km

      Reparámos o pneu furado numa pequena oficina em frente ao Camping onde dormimos.

      Aproveitámos para reapertar a suspensão e o escape que ameaçava cair... queremos que o Belafonte chegue novo a Bamako... ou pelo menos, inteiro!

      Sem os Rufus, somos agora três carros - Nós, os Steel Camel e os Scorpians. Ao pequeno-almoço combinámos percorrer os 600 km que nos separam da proxima cidade, Kiffa. Depois da areia do deserto, da praia e das estradas praticamente intransitáveis, 600km em alcatrão parecem muito fáceis... aliás, parece-nos que a aventura acabou e que agora é só rolar com cuidado. Mas fomos mais uma vez postos a prova e forçados a manter a atenção ao objectivo que nos propusemos - chegar a Bamako! Seria fácil se tivessemos um carro novo, se o alcatrão fosse regular e não houvessem tantos animais na estrada! Foi o percurso mais difícil até hoje! Estamos a dois dias de chegar a Bamako, um dia de Mali, e no entanto ainda não conseguimos relaxar e ter certeza que conseguiremos... a estrada tem buracos enormes, os camiões circulam com os máximos ligados e os animais surgem de todos os lados! É impossível circular a mais de 80km/h, prolongando os 600km para a exaustão de 1000km! Não conseguimos evitar alguns buracos, à noite, chegámos a circular a cerca de 40km/h durante grande parte do percurso... chegamos a Kiffa de noite, por volta das 22 horas, exaustos, com cerca de 13 horas a conduzir... temos saudade da areia do deserto e todas as dificuldades anteriores parecem-nos, agora, muito pequenas.



      Domingo, 27 de Janeiro - Kiffa-Nioro (MALI) 420km

      O dia começa com novo aperto da suspensão. Após deixarmos Kiffa, apanhámos uma estrada que não está no mapa mas foi indicada por locais... mas não existe estrada! Um caminho de terra pior que qualquer outro até aqui! Com a trepidação, o motor começa a falhar muito em velocidades baixas, pelo que somos obrigados a manter o pé no acelerador mesmo quando estamos parados, tornando a condução um verdadeiro desafio quando circulamos muito devagar para evitar cairmos nos buracos... mas a estrada é a mesma e chegámos mesmo a ficar atolados em areia... o motor vai abaixo sempre que paramos, embora pegue logo de seguida.

      Não sabemos a causa, talvez areia no carburador, mas temos de entrar em Mali antes de anoitecer, depois se verá!

      As barreiras de controlo policial aumentam conforme nos vamos aproximando da fronteira com Mali... temos presente que estamos, de certa forma, ilegais - o nosso visto da Mauritânia expirou há dois dias... por conselho de Ahbdu, o nosso guia no deserto, não o renovámos, pois garantiu-nos que não haveria controlo das datas e a renovação custaria mais de 50€ euros! Acreditámos e agora sempre que paramos sentimo-nos vulneráveis; podemos estar nas mãos destes oficiais que para nos deixarem seguir poderão pedir-nos o que quiserem... e os euros escasseiam entre todas as equipas e a moeda local está à conta para o combustível...

      Todos os polícias são extremamente simpáticos connosco. Liderámos nós a caravana e sempre que dizemos a nossa nacionalidade, notámos uma simpatia sincera... e vamos passando por todos os controlos com sorrisos e umas canetas de oferta... até que chegámos a uma barreira onde nos pedem os passaportes e perguntam pelos vistos! Tínhamos acordado com o Philip, dos Steel Camel, que se nos perguntassem o motivo da irregularidade dos vistos, nos justificaríamos com o acidente no deserto e a avaria de um carro... resultou! Pagamos 10 euros pela renovação do visto e após mais uma barreira de controle, estavamos em Mali! Estamos a cerca de 350 quilómetros de Bamako!

      Mali e outro país. Agora sim, estamos em África! A paisagem é magnífica... Não vemos lixo nas bermas, a vegetação é diferente, as pessoas são também diferentes e parecem-nos mais simpáticas... surgem as primeiras árvores Baobab, características deste país... é incrível a diferença da paisagem, embora a Mauritânia ainda esteja presente nos nossos retrovisores.

      Fomos recebidos na fronteira com uma simpatia cativante e partilhámos um pouco do jogo Senegal-Angola com os guardas... não percebi por quem torciam pois festejaram os golos de ambas as equipas...

      Saímos da esquadra e fomos procurar lugar para dormir... Nioro é uma cidade muito pequena e no guia que trazemos não nos aconselham a acampar no mato... também na esquadra nos contaram uma historia recente de três italianos assaltados durante a noite... perante isto e após algumas indecisões e discussões entre todos, concordámos em regressar à esquadra e perguntar onde seria seguro ficar. A resposta não poderia ser melhor - o comissário ofereceu-nos abrigo dentro do terreno da esquadra!Entrámos com os carros e acampámos nas traseiras, onde cozinhámos e desmanchámos o carburador do Belafonte, que está impossivel de se conduzir... mais receios, e a sensação de não chegar torna-se mais amarga, por estarmos tão perto... 350km! Nova limpeza de carburador com a ajuda do Gary com quem o desmanchámos por completo... tarefa complicada se tivermos em conta que o fizemos à luz da lanterna, no meio da horta da esquadra... - mais uma lição sobre o Belafonte que agora conhecemos como as palmas das nossas mãos!

      Ambas as equipas que nos acompanham nos garantem - «vocês vão chegar, nem que vos reboquemos!» Nao nos serviu de consolo, embora seja uma prova de verdadeiro espírito de equipa e demonstração de amizade, mas para nós é realmente importante chegar com o Belafonte em óptimo estado... só assim poderá valer algum dinheiro para o Dinfara Water Project.



      Segunda-feira, 28 de Janeiro - Nioro-BAMAKO 350km

      Acordámos e notámos que estavamos acampados mesmo em cima da horta da esquadra, cuidadosamente plantada pelas mulheres dos oficiais... não estragamos muito mas pedimos desculpa pelo sucedido... Ninguém se importou e todos os polícias estavam mesmo contentes por termos acampado alí. Conversámos um pouco, trocámos alguns presentes em forma de gratidão pela generosa hospitalidade.

      O Belafonte acordou bem disposto, sem falhar, o que me levou a concluir que a reparação às escuras tinha sido eficaz... mas não por muito tempo. Começou a falhar passados alguns quilómetros. A somar à falha do motor, ainda não tinhamos passado por nenhum posto de abastecimento... faltavam cerca de 280km para Bamako quando o motor parou... tínhamos indicações que a próxima estação de serviço ficava a 20km... está muito calor para ir a pé e queremos chegar a Bamako de dia! Ainda não tínhamos sido rebocados nesta viagem e foi tempo de experimentar - os Scorpians deram-nos boleia e fomos puxados cerca de 30km, por estrada de alcatrão e estrada de terra, novamente em péssimo estado!... o que mais falta acontecer? A resposta foi imediata, após abastecermos, o conta-quilómetros avariou! Sabemos que a gasolina chega até Bamako, mas o motor falha imenso a velocidades baixas... a estrada é agora francamente melhor, a vontade de chegar a Bamako aumenta enquanto a distância que nos separa diminui... a velocidade aumenta... não comemos nada hoje, mas nem pensamos nisso... passámos por uma placa indicando Bamako à direita... e claro, a festa no carro é enorme!

      A sensação de chegar a Bamako é, mais uma vez indiscritível. A cidade, para além de tudo, é muito bonita e bem organizada, foi fácil seguirmos as indicações até ao Ministerio da Água e da Energia, onde ficaremos a dormir no Campus Universitário e onde deixaremos o Belafonte.

      Estacionar o Belafonte foi uma sensação de realização e felicidade contagiante para as restantes equipas presentes... quase tão boa como a de dia 12 de Janeiro, em Belém, quando vimos chegar os primeiros amigos, e depois outros e mais outros e outros que continuaram a chegar para se despedirem de nós e aos quais dedicamos todos os quilómetros percorridos...

      ...mas não ficamos por aqui - Vamos aumentar o desafio! Queremos conhecer Dinfara! Fica a 100km de Bamako e acreditamos que vamos conseguir mais este pequeno passo! Estamos bem dentro do prazo estabelecido! Amanhã vamos tentar contactar os responsáveis do Dinfara Water Project e prepararmos uma visita à aldeia... só assim nos sentiremos verdadeiramente realizados!



      Chegada a Bamako!

      Os dois portugueses chegaram finalmente a Bamako, depois de percorrer mais de 5500 quilómetros pela costa africana e deserto do Sara num carro com 22 anos.

      Terca-feira, 29 de Janeiro - BAMAKO

      Hoje conseguimos um feito ainda maior do que o termos chegado aqui... Os Steel Camel juntaram-se à nossa causa e o dinheiro resultante do leilão do «Camelo de Ferro», vai também para o Dinfara Water Project!

      A nossa campanha de divulgação do projecto foi tão eficaz que amanhã vamos até Dinfara com mais equipas que resolveram juntar-se... outras equipas, que já partiram, deixaram algum material e comida para levarmos connosco... e neste momento temos o carro cheio, mais os Steel Camel, com material para levar até Dinfara... o que começou com um carro, vai agora em dois e provavelmente aumentará... foi um dia em cheio, sentimo-nos ainda mais realizados, por termos conseguido sensibilizar outras equipas para a nossa causa... Amanhã em Dinfara, estaremos todos, com o nosso Belafonte, para conhecer directamente quem decidimos ajudar e viver um pouco da sua realidade... neste momento, estamos ainda mais felizes do que no dia da chegada, porque sentimos que não estamos a festejar sózinhos... e amanhã será ainda melhor, em Dinfara!

      Durante a visita, seremos guiados pelo Sr. Sonny, responsável pelos projectos do Rotary Club em Mali e pelo leilão de todas as viaturas - fez questão em acompanhar-nos!
      Editado pela última vez por RPalma; 09 February 2008, 20:04.

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        #4
        The Plymouth-Dakar Challenge / 2008 ( 4 )

        A aventura chegou ao fim!

        Missão cumprida! Os dois portugueses atravessaram o deserto num carro com 22 anos, que doaram a Dinfara, uma pequena aldeia que não se cansou de lhes agradecer.


        Quarta-feira, 30 de Janeiro - Bamako-Dinfara-Bamako

        A noticia sobre o projecto de Dinfara que pretendemos apoiar espalhou-se entre as equipas. Conseguimos juntar os três carros que percorreram quilómetros juntos, que se ajudaram mutuamente em inúmeras ocasiões... assim faz mais sentido, juntos até ao fim! Os Steel Camel e os Scorpians também doaram o carro a causa de Dinfara! Quando nos transmitiram ficamos radiantes! O carro dos Scorpians será uma grande mais valia no projecto! Julgamos que conseguimos todo o apoio para o Water Project e ainda para outras necessidades da aldeia, nomeadamente a reconstrução do telhado da escola, da criação do Centro de Saúde e de uma casa para os professores - que são todos voluntários, não tem qualquer forma de remuneração e dormem em casa das famílias da aldeia!

        Não fazíamos a pequena ideia do que nos esperava. O trajecto até Dinfara é longo, não pela distância, mas pelas características do percurso - mais uma prova para o Belafonte, a última!

        À chegada, dezenas (pareciam-nos centenas!) de crianças correram para a volta do carro e acompanharam-nos de perto até à chegada ao centro da aldeia... onde começámos a ouvir ritmos vindos de tambores e outros instrumentos de percurssão... quando saímos do carro, fomos encaminhados para um largo onde estava toda a aldeia, as crianças a dançar e toda a gente numa grande festa... em nossa honra!

        No largo, mesmo em frente ao Conselho da aldeia, composto pelos homens mais velhos, deixamos as nossas oferendas, simples, simbólicas, mas que acreditamos que tenham muita utilidade. Para além das nossas três equipas terem doado o carro, mais seis juntaram-se a nossa causa e embora já tivessem o valor do carro destinado para outros projectos, deram-nos diverso material, desde roupas a estojos de primeiros socorros, comida e ferramentas diversas... muito deste material será consumido na própria aldeia e, o que não for necessário, podera ser vendido no mercado e ajudar a aumentar as verbas dos projectos!

        Asisstimos às danças tradicionais da pequena aldeia de 500 habitantes, ouvimos as palavras do Chefe da aldeia e do Xaman que nos dirigiu agradecimentos e palavras de boa fortuna, tudo no dialecto local, traduzido pelo Sr. Sonny, responsável dos projectos humanitários em Bamako. Ouvimos também as palavras do professor da aldeia e do responsável pelos projectos da criação do Centro de Saúde e do Reservatório de Água!... e no final coube-nos dirigir, a toda a aldeia, palavras de agradecimento pela calorosa recepção de que fomos alvo. Explicámos também parte do nosso trajecto, falamos da nossa aventura e da facilidade que outras equipas tiveram em aceitar ajudar Dinfara. Fomos calorosamente aplaudidos. Todos entendem francês, pelo que os aplausos foram legítimos!

        Naquele momento, sentados em frente a toda a aldeia, tivemos a noção da importância do nosso feito para aquelas crianças e adultos... e são tantas as crianças! Dinfara é uma pequena comunidade mas um exemplo para as maiores. Notamos o respeito para com os mais velhos de toda a população, as crianças são felizes, existe a preocupação em manter um professor residente, a aldeia e limpa e organizada, aproveitam todos os recursos de uma forma exemplarmente sustentável!... sentados naquelas humildes cadeiras, notámos também o efeito daquela recepção nas outras equipas, todas com um brilho especial nos olhos... também elas nos agradeceram, a nós, Zissous, o facto de lhes termos dado a conhecer Dinfara. No final, juntos, concordámos que aquele fora o dia mais significante de toda a viagem... e que todos os maus momentos foram compensados, pela emoção de ver todas as criancas a nossa volta, os sorrisos nos mais velhos, a demonstração sincera de agradecimento... esta foi realmente a nossa meta, o nosso pódium de um só patamar - não há vencedores, o colher de todo o esforco empregue na preparação desta viagem, dos momentos bons, dos maus, das saudades dos familiares e amigos... Dinfara foi-nos oferecida pelos habitantes locais e nós, em troca, oferecemo-nos a eles - ficarão para sempre no nosso pensamento!

        O Belafonte foi estacionado no Campus do CRES - Centro Regional de Energia Solar.

        Rodar a chave para o desligar teve um sabor entre doce e amargo. Doce por Dinfara, amargo por ser a última vez.




        Editado pela última vez por RPalma; 09 February 2008, 20:04.

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          #5
          O meu irmão esteve quase para participar nesta "prova" há uns anos, chegando inclusive comprar a meias um 4L com um amigo, não sei porque, mas n chegaram a participar.


          Ainda tem o 4L, a andar como carro "muleta" se um carro qq estiver parado

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