Andei a navegar pelo renovado site do Guia do Automóvel, e aproveito já para uma engraxadela à equipa da MPL, dando os parabéns pelo trabalho realizado. Muito melhor.
Tão melhor que fiquei banzado com o artigo "Comprar Carro Novo - Conheça os Truques dos Vendedores".
Pelo lado positivo rompe com o discurso clássico do GA, contudo exageraram na dose: só falta chamar-lhes nomes...e às respectivas mães.
O artigo está na zona de acesso restrito e esperando não vir a ter problemas com a polícia, tomo a liberdade de transcrever e comentar algumas passagens:
1) "Não se esqueça que a compra a pronto deixou de ser interessante para muitos concessionários. Preferem que faça crédito porque acaba por pagar mais pelo veículo."
É certo que recorrendo a financiamento se paga mais pelo carro, mas quem ganha é a financeira, não o concessionário.
Este poderá ganhar uma comissão fixa sobre o montante de financiamento e eventuais vantagens na obtenção de crédito para financiamento de stocks, mas em termos estritos, não recebe mais por ser a crédito ou a p.p..
2) "Se possui um carro usado para retoma também vão adorar, sobretudo se o seu carro tiver menos de cinco anos também será um bom negócio para eles. Vão “fazer o favor” de lhe retomar a viatura e ganhar mais uns 20% depois de recondicionada. Portanto, se tem um carro usado nesta situação e vai recorrer ao crédito, faça o jogo correr a seu favor, embora jogue no terreno do adversário."
Uma coisa é o rancho. Outra é a associação folclórica.
O preço da retoma não tem nada a ver com o financiamento do carro novo. Contudo, podem ter a ver com a margem comercial deste - tira de um para por no outro, conforme a percepção que o vendedor tenha da importância de cada um dos valores para o cliente (preço novo vs valor do usado).
Por outro lado, os 20% de margem no usado servem precisamente para cobrir os custos do recondicionamento - lavagem, polimento, revisão e garantia. Não esqueçamos que o concessionário tem que adquirir o carro e suportá-lo em stock até despachá-lo (a comerciante ou particular).
Para isso, tem que se financiar (com capitais próprios, dos sócios/accionistas - ou alheios, do banco) e isso custa dinheiro – juros.
Da maneira como está o mercado de usados, se calhar os 20% de margem não chegam para alguns casos…
3) "Nunca forneça os seus contactos. A não ser no momento de assinar o contrato de compra do carro. O vendedor fica-lhe com o contacto muito facilmente quando lhe diz que não sabe se pode fazer desconto e tem de falar com o chefe. Fica de lhe ligar mais tarde e com isso você deu-lhe o número de telefone. Saiba que todos os vendedores conhecem os limites do desconto"
Há margem do vendedor, há margem do chefe e/ou director e eventualmente da administração. Por uma questão racional, costumam estar escalonadas e sujeitas a autorização do respectivo nível hierárquico, senão é um regabofe. Não duvido que os vendedores as conheçam, mas geralmente não podem usá-las indiscriminadamente.
Quanto aos contactos - o que não faltam são chatos a passar o tempo a ver carros. Se o comprador não demonstrar afinco e cometimento no negócio, é triado como pária e despachado com um catálogo para não chatear mais.
Embora alguns vendedores sejam chatos como o raio, não me parece boa política entrar no stander incógnito só para sacar preços e não dar mais cavaco.
4) “O verdadeiro vendedor conhece no mais ínfimo detalhe todos os modelos e versões da gama de automóveis da sua marca. Por muito que tenha estudado em casa, o cliente rapidamente reconhece a argumentação fundamentada deste profissional. A facilidade com que fala do produto e o modo com mantém o cliente próximo do veículo no qual está interessado, fazem parte da sua estratégia comercial. Se puder, este profissional fará com que assine o contrato em cima do capot do carro.”
Raros foram os vendedores que me ensinaram algo mais sobre o carro que me mostraram. Cheguei ao ponto de corrigir vendedores. Muitas vezes ouvi asneira e calei-me.
Quanto à estratégia comercial, na maioria das vezes passa mais pela lábia do que propriamente por técnicas subversivas de marketing…nos test-drives o paleio de vendedor diminui o impacto da experiência de condução na venda, porque distrai e não deixa os clientes à vontade na troca de impressões – é o ponto decisivo em que muitas vezes a privacidade pode ser chave do negócio. Na incerteza, adiam a decisão.
Quanto a propostas em cima do capot, no caso de uma miss passo o cheque na hora (quem não sonha com uma vendedora sentadinha no capot?). Mas se for um bigodes calçudo, tenho dúvidas que faça sucesso.
5) “Não se admire se lhe disserem nos concessionários que as cotações do Guia do AUTOMÓVEL estão desfasadas da realidade. Não é isso que querem dizer na realidade, o que estão a querer dizer é que as nossas cotações estão desfasadas dos interesses dos concessionários”
As cotações do GA são meramente indicativas e não podem ser tomadas como absolutas. No caso dos carros a gasolina, há cotações claramente inflacionadas – as taxas de desvalorização até podem ser teoricamente ajustadas, mas o mercado está saturado de carros usados e nesse cenário o bem vale o preço que alguém estiver disposto a dar por ele.
É certo que há concessionários a ganhar boas margens nos usados. Mas da forma como está o mercado, o prémio de risco tem que ser elevado – se eu tenho um chasso de fraca procura, a cotação até pode ser razoável, mas nenhum intermediário vai querer ficar com a batata quente na mão sem garantir que a vende pelo menos por um preço superior ao do custo.
Um exemplo real: um Stilo a gasolina retomado em 2005 por 10.000€ em stock desde então: desvalorizou 20% de tabela (ainda leva um descontozinho para despachar rapidamente) e o empate de capital, a uma taxa de 5%, custou 1000€.
Ou seja, quando o concessionário retomou por 10.000€, assumiu um prejuízo de 3.000€ já consumado e ainda não o despachou. É claro que compensa com os diesel a sair como pãezinhos quentes, mas por isso mesmo não é linear.
Não quero com este post fazer uma critica genérica ao artigo, que considero uma excelente iniciativa do GA, mas parece-me que extremar posições não será muito útil para quem procura fazer um bom negócio…
Finalmente, não sou vendedor de carros.
Vendo-me todos os dias a uma instituição patronal e já basta.
Tão melhor que fiquei banzado com o artigo "Comprar Carro Novo - Conheça os Truques dos Vendedores".
Pelo lado positivo rompe com o discurso clássico do GA, contudo exageraram na dose: só falta chamar-lhes nomes...e às respectivas mães.
O artigo está na zona de acesso restrito e esperando não vir a ter problemas com a polícia, tomo a liberdade de transcrever e comentar algumas passagens:
1) "Não se esqueça que a compra a pronto deixou de ser interessante para muitos concessionários. Preferem que faça crédito porque acaba por pagar mais pelo veículo."
É certo que recorrendo a financiamento se paga mais pelo carro, mas quem ganha é a financeira, não o concessionário.
Este poderá ganhar uma comissão fixa sobre o montante de financiamento e eventuais vantagens na obtenção de crédito para financiamento de stocks, mas em termos estritos, não recebe mais por ser a crédito ou a p.p..
2) "Se possui um carro usado para retoma também vão adorar, sobretudo se o seu carro tiver menos de cinco anos também será um bom negócio para eles. Vão “fazer o favor” de lhe retomar a viatura e ganhar mais uns 20% depois de recondicionada. Portanto, se tem um carro usado nesta situação e vai recorrer ao crédito, faça o jogo correr a seu favor, embora jogue no terreno do adversário."
Uma coisa é o rancho. Outra é a associação folclórica.
O preço da retoma não tem nada a ver com o financiamento do carro novo. Contudo, podem ter a ver com a margem comercial deste - tira de um para por no outro, conforme a percepção que o vendedor tenha da importância de cada um dos valores para o cliente (preço novo vs valor do usado).
Por outro lado, os 20% de margem no usado servem precisamente para cobrir os custos do recondicionamento - lavagem, polimento, revisão e garantia. Não esqueçamos que o concessionário tem que adquirir o carro e suportá-lo em stock até despachá-lo (a comerciante ou particular).
Para isso, tem que se financiar (com capitais próprios, dos sócios/accionistas - ou alheios, do banco) e isso custa dinheiro – juros.
Da maneira como está o mercado de usados, se calhar os 20% de margem não chegam para alguns casos…
3) "Nunca forneça os seus contactos. A não ser no momento de assinar o contrato de compra do carro. O vendedor fica-lhe com o contacto muito facilmente quando lhe diz que não sabe se pode fazer desconto e tem de falar com o chefe. Fica de lhe ligar mais tarde e com isso você deu-lhe o número de telefone. Saiba que todos os vendedores conhecem os limites do desconto"
Há margem do vendedor, há margem do chefe e/ou director e eventualmente da administração. Por uma questão racional, costumam estar escalonadas e sujeitas a autorização do respectivo nível hierárquico, senão é um regabofe. Não duvido que os vendedores as conheçam, mas geralmente não podem usá-las indiscriminadamente.
Quanto aos contactos - o que não faltam são chatos a passar o tempo a ver carros. Se o comprador não demonstrar afinco e cometimento no negócio, é triado como pária e despachado com um catálogo para não chatear mais.
Embora alguns vendedores sejam chatos como o raio, não me parece boa política entrar no stander incógnito só para sacar preços e não dar mais cavaco.
4) “O verdadeiro vendedor conhece no mais ínfimo detalhe todos os modelos e versões da gama de automóveis da sua marca. Por muito que tenha estudado em casa, o cliente rapidamente reconhece a argumentação fundamentada deste profissional. A facilidade com que fala do produto e o modo com mantém o cliente próximo do veículo no qual está interessado, fazem parte da sua estratégia comercial. Se puder, este profissional fará com que assine o contrato em cima do capot do carro.”
Raros foram os vendedores que me ensinaram algo mais sobre o carro que me mostraram. Cheguei ao ponto de corrigir vendedores. Muitas vezes ouvi asneira e calei-me.
Quanto à estratégia comercial, na maioria das vezes passa mais pela lábia do que propriamente por técnicas subversivas de marketing…nos test-drives o paleio de vendedor diminui o impacto da experiência de condução na venda, porque distrai e não deixa os clientes à vontade na troca de impressões – é o ponto decisivo em que muitas vezes a privacidade pode ser chave do negócio. Na incerteza, adiam a decisão.
Quanto a propostas em cima do capot, no caso de uma miss passo o cheque na hora (quem não sonha com uma vendedora sentadinha no capot?). Mas se for um bigodes calçudo, tenho dúvidas que faça sucesso.
5) “Não se admire se lhe disserem nos concessionários que as cotações do Guia do AUTOMÓVEL estão desfasadas da realidade. Não é isso que querem dizer na realidade, o que estão a querer dizer é que as nossas cotações estão desfasadas dos interesses dos concessionários”
As cotações do GA são meramente indicativas e não podem ser tomadas como absolutas. No caso dos carros a gasolina, há cotações claramente inflacionadas – as taxas de desvalorização até podem ser teoricamente ajustadas, mas o mercado está saturado de carros usados e nesse cenário o bem vale o preço que alguém estiver disposto a dar por ele.
É certo que há concessionários a ganhar boas margens nos usados. Mas da forma como está o mercado, o prémio de risco tem que ser elevado – se eu tenho um chasso de fraca procura, a cotação até pode ser razoável, mas nenhum intermediário vai querer ficar com a batata quente na mão sem garantir que a vende pelo menos por um preço superior ao do custo.
Um exemplo real: um Stilo a gasolina retomado em 2005 por 10.000€ em stock desde então: desvalorizou 20% de tabela (ainda leva um descontozinho para despachar rapidamente) e o empate de capital, a uma taxa de 5%, custou 1000€.
Ou seja, quando o concessionário retomou por 10.000€, assumiu um prejuízo de 3.000€ já consumado e ainda não o despachou. É claro que compensa com os diesel a sair como pãezinhos quentes, mas por isso mesmo não é linear.
Não quero com este post fazer uma critica genérica ao artigo, que considero uma excelente iniciativa do GA, mas parece-me que extremar posições não será muito útil para quem procura fazer um bom negócio…
Finalmente, não sou vendedor de carros.
Vendo-me todos os dias a uma instituição patronal e já basta.
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