Julgamento: ‘Operação Centauro’
Perdoavam multas por 15 ou 100 euros
Jorge Godinho
Um sala do novo Palácio da Justiça de Sintra foi remodelada para receber os 195 arguidos
O julgamento do megaprocesso que envolve 173 militares da Brigada de Trânsito da GNR (BT/GNR) e 22 empresários, acusados de corrupção passiva e activa, que ontem começou no Tribunal de Sintra, deverá estender-se por um ano.
O colectivo de juízes, presidido por Anabela Cardoso, julga o processo desencadeado pela ‘Operação Centauro’ conduzida pela Polícia Judiciária, em finais de 2002. A acção policial, ao abrigo da qual foram feitas dezenas de detenções, colocou no banco dos réus militares da BT/GNR e proprietários de empresas de transportes de mercadorias, que se envolveram em diversos crimes de corrupção.
Os militares agora acusados pertencem a dez destacamentos da BT do Norte e Centro. Alguns ainda estão em serviço. Todos estão indiciados neste processo pelos crimes de corrupção passiva. Segundo a acusação, exigiram aos 22 empresários, sobre os quais pendem acusações de corrupção activa, o pagamento de quantias em dinheiro que variavam entre os 15 e os 100 euros.
A acusação do Ministério Público dá conta, ainda, de ‘ofertas’ menos significativas (como garrafas de bebida ou cheques de gasolina), entregues pelos empresários para que os militares da BT fechassem os olhos a infracções de trânsito – como o excesso de carga, o mau estado dos pneus, o excesso de horas de condução ou ausência de documentação.
Ao longo da instrução do processo, que se estendeu por dois anos, foram ouvidas mais de cem testemunhas. Os arguidos acusados de corrupção passiva arriscam uma pena de um a oito anos de prisão, enquanto os 22 empresários, suspeitos de corrupção activa, podem ser condenados a uma pena entre os seis meses e os cinco anos.
A sessão de ontem foi preenchida com a identificação dos arguidos presentes. Onze militares faltaram à chamada. A juíza Anabela Cardoso passou mandados de detenção para três que não justificaram a ausência. O julgamento prossegue hoje: estão previstas sessões para a manhã e a tarde .
NÚMEROS
115 advogados de defesaparticipam neste julgamento
160 sessões estão previstas atéà conclusão do julgamento
56 militares da BT, entre os arguidos, estão suspensos
11 arguidos militares já estão Nreformados da BT
2004-03-03 - 00:00:00
Julgamento - Empresários acusados são vinte e dois
CORRUPÇÃO NA BT-GNR LEVA 195 A TRIBUNAL
Manuel Moreira
O passo decisivo para a realização do julgamento foi tomado ontem no Tribunal de Monsanto
Foi com convicção que a juíza Ana Teixeira e Silva pronunciou ontem o seu despacho: 195 arguidos, entre 173 militares e 22 empresários, vão ser julgados no âmbito do processo de corrupção na Brigada de Trânsito da GNR (BT/GNR). Neste processo, um dos maiores de sempre em Portugal, estavam inicialmente acusadas 198 pessoas. Os três despronunciados são empresários.
Por outro lado, a juíza que conduziu a instrução do caso – e que agora ficou livre para a assumir a instrução do processo da Casa Pia (ver página 13) – levantou todas as medidas de coacção, nomeadamente a nove em prisão domiciliária e a outros nove sob apresentações periódicas. Assim sendo, todos os arguidos ficaram apenas sujeitos a termo de identidade e residência, a medida de coacção mais baixa, embora em 56 casos tenha também sido aplicada a medida de suspensão de funções na GNR.
A suspensão, frisou Ana Teixeira e Silva, foi aplicada apenas aos militares que estão pronunciados em mais de três crimes de corrupção passiva. Paralelamente, foi determinado o fim da suspensão de funções a seis militares da Guarda.
De entre os arguidos constam ainda 22 empresários ou representantes de empresas do sector dos transportes, acusados de corrupção activa.
A maioria dos 173 militares da BT/GNR serão julgados por um ou dois crimes de corrupção passiva, embora haja um caso em que o arguido é pronunciado por 26 crimes.
No âmbito do processo foram requeridas 80 aberturas de instrução, das quais, três pedidos foram extemporâneos e um quarto foi alvo de desistência.
“As condutas retratadas infringem gravemente os deveres profissionais e deontológicos dos militares da BT/GNR”, considerou Ana Teixeira e Silva, no seu despacho, frisando ainda que os factos divulgados, nomeadamente pela comunicação social, induziram um estado de inquietação junto dos cidadãos, susceptível de provocar alterações de ordem pública.
Os 173 militares da BT que foram pronunciados são de diversos comandos, nomeadamente de Lisboa, Leiria, Torres Vedras, Carregado, Coimbra, Santarém e Setúbal.
A juíza Ana Teixeira e Silva afirmou ainda que se tivesse dúvidas razoáveis quanto à possibilidade de não pronunciar os arguidos “certamente o teria feito”, acrescentando “não tenho dúvidas” quanto aos casos de pronúncia ou seja, os actos ilícitos praticados no decurso da actividade fiscalizadora de trânsito.
A maioria dos advogados de defesa disse que este era o despacho que esperavam, mostrando-se ainda satisfeitos por terem sido levantadas as medidas de coacção mais gravosas. “Houve a reposição de alguma verdade” afirmou um dos juristas.
FALTA DE CONDIÇÕES DE TRABALHO PERTURBA
A falta de condições de trabalho para todos os agentes envolvidos no megaprocesso que envolve as quase duas centenas de militares da Brigada de Trânsito da GNR é evidente, perturbador e tem motivado reacções de desagrado, como constatou o CM junto de alguns advogados envolvidos neste caso.
“Não há memória de um processo desta envergadura”, repetem alguns dos causídicos contactados pelo nosso jornal, em que vão ser julgados 195 arguidos, 173 dos quais são militares da BT da GNR e 22 empresários.
José Miguel Júdice é um dos mais críticos. O bastonário da Ordem dos Advogados sublinhou que a falta de condições já vem do debate instrutório. E enumera o rol de insuficiências: “Não havia sítios onde nos sentarmos, uma mesa pequena para colocarmos os códigos, e ainda nos vimos na contingência de estarmos sentados ombro a ombro com colegas que podiam não ter posições coincidentes com as nossas, estando condenados a partilhar o mesmo espaço. É intolerável”.
Quer a Associação Desportiva e Cultural da Encarnação, quer o Tribunal de Monsanto, os dois espaços onde decorreu o processo em Lisboa, já mostraram que não servem. A própria juíza, Ana Teixeira e Silva, reconheceu ontem “a falta de condições das salas que existem”.
Manuel Matos Antão, outro dos advogados, lamenta que se tenha de viver com aquilo que há, mas não vislumbra uma solução, ao lamentar: “A situação da Justiça é esta, a solução é remediar”.
Para outro dos causídicos, José Albuquerque Pais, “o que é preciso é exigir que o Ministério da Justiça reveja as condições péssimas existentes”.
JUDICIÁRIA INVESTIGOU
A 4 de Abril de 2002 era dado o primeiro passo do combate à corrupção pela PJ de Faro, com a detenção nesse dia de oito elementos da BT da GNR, a exercerem funções no destacamento de Albufeira. Mas a acção de maior vulto veio da ‘Operação Centauro’, da PJ de Lisboa, agora com 195 arguidos. As suspeitas iam da corrupção e extorsão até à associação criminosa. Entre as vítimas surgiam camionistas apanhados em situação irregular.
A infracção mais comum centrava-se no facto dos pesados transportarem carga a mais. Também algumas empresas terão sido convidadas a entrar nos esquemas. Muitas vezes o perdão das multas era pago em materiais de construção ou combustível, além de dinheiro. A descoberta surgiu através da visibilidade dos sinais exteriores de riqueza dos elementos da BT, mas também de vigilâncias.
Perdoavam multas por 15 ou 100 euros
Jorge Godinho
Um sala do novo Palácio da Justiça de Sintra foi remodelada para receber os 195 arguidos
O julgamento do megaprocesso que envolve 173 militares da Brigada de Trânsito da GNR (BT/GNR) e 22 empresários, acusados de corrupção passiva e activa, que ontem começou no Tribunal de Sintra, deverá estender-se por um ano.
O colectivo de juízes, presidido por Anabela Cardoso, julga o processo desencadeado pela ‘Operação Centauro’ conduzida pela Polícia Judiciária, em finais de 2002. A acção policial, ao abrigo da qual foram feitas dezenas de detenções, colocou no banco dos réus militares da BT/GNR e proprietários de empresas de transportes de mercadorias, que se envolveram em diversos crimes de corrupção.
Os militares agora acusados pertencem a dez destacamentos da BT do Norte e Centro. Alguns ainda estão em serviço. Todos estão indiciados neste processo pelos crimes de corrupção passiva. Segundo a acusação, exigiram aos 22 empresários, sobre os quais pendem acusações de corrupção activa, o pagamento de quantias em dinheiro que variavam entre os 15 e os 100 euros.
A acusação do Ministério Público dá conta, ainda, de ‘ofertas’ menos significativas (como garrafas de bebida ou cheques de gasolina), entregues pelos empresários para que os militares da BT fechassem os olhos a infracções de trânsito – como o excesso de carga, o mau estado dos pneus, o excesso de horas de condução ou ausência de documentação.
Ao longo da instrução do processo, que se estendeu por dois anos, foram ouvidas mais de cem testemunhas. Os arguidos acusados de corrupção passiva arriscam uma pena de um a oito anos de prisão, enquanto os 22 empresários, suspeitos de corrupção activa, podem ser condenados a uma pena entre os seis meses e os cinco anos.
A sessão de ontem foi preenchida com a identificação dos arguidos presentes. Onze militares faltaram à chamada. A juíza Anabela Cardoso passou mandados de detenção para três que não justificaram a ausência. O julgamento prossegue hoje: estão previstas sessões para a manhã e a tarde .
NÚMEROS
115 advogados de defesaparticipam neste julgamento
160 sessões estão previstas atéà conclusão do julgamento
56 militares da BT, entre os arguidos, estão suspensos
11 arguidos militares já estão Nreformados da BT
2004-03-03 - 00:00:00
Julgamento - Empresários acusados são vinte e dois
CORRUPÇÃO NA BT-GNR LEVA 195 A TRIBUNAL
Manuel Moreira
O passo decisivo para a realização do julgamento foi tomado ontem no Tribunal de Monsanto
Foi com convicção que a juíza Ana Teixeira e Silva pronunciou ontem o seu despacho: 195 arguidos, entre 173 militares e 22 empresários, vão ser julgados no âmbito do processo de corrupção na Brigada de Trânsito da GNR (BT/GNR). Neste processo, um dos maiores de sempre em Portugal, estavam inicialmente acusadas 198 pessoas. Os três despronunciados são empresários.
Por outro lado, a juíza que conduziu a instrução do caso – e que agora ficou livre para a assumir a instrução do processo da Casa Pia (ver página 13) – levantou todas as medidas de coacção, nomeadamente a nove em prisão domiciliária e a outros nove sob apresentações periódicas. Assim sendo, todos os arguidos ficaram apenas sujeitos a termo de identidade e residência, a medida de coacção mais baixa, embora em 56 casos tenha também sido aplicada a medida de suspensão de funções na GNR.
A suspensão, frisou Ana Teixeira e Silva, foi aplicada apenas aos militares que estão pronunciados em mais de três crimes de corrupção passiva. Paralelamente, foi determinado o fim da suspensão de funções a seis militares da Guarda.
De entre os arguidos constam ainda 22 empresários ou representantes de empresas do sector dos transportes, acusados de corrupção activa.
A maioria dos 173 militares da BT/GNR serão julgados por um ou dois crimes de corrupção passiva, embora haja um caso em que o arguido é pronunciado por 26 crimes.
No âmbito do processo foram requeridas 80 aberturas de instrução, das quais, três pedidos foram extemporâneos e um quarto foi alvo de desistência.
“As condutas retratadas infringem gravemente os deveres profissionais e deontológicos dos militares da BT/GNR”, considerou Ana Teixeira e Silva, no seu despacho, frisando ainda que os factos divulgados, nomeadamente pela comunicação social, induziram um estado de inquietação junto dos cidadãos, susceptível de provocar alterações de ordem pública.
Os 173 militares da BT que foram pronunciados são de diversos comandos, nomeadamente de Lisboa, Leiria, Torres Vedras, Carregado, Coimbra, Santarém e Setúbal.
A juíza Ana Teixeira e Silva afirmou ainda que se tivesse dúvidas razoáveis quanto à possibilidade de não pronunciar os arguidos “certamente o teria feito”, acrescentando “não tenho dúvidas” quanto aos casos de pronúncia ou seja, os actos ilícitos praticados no decurso da actividade fiscalizadora de trânsito.
A maioria dos advogados de defesa disse que este era o despacho que esperavam, mostrando-se ainda satisfeitos por terem sido levantadas as medidas de coacção mais gravosas. “Houve a reposição de alguma verdade” afirmou um dos juristas.
FALTA DE CONDIÇÕES DE TRABALHO PERTURBA
A falta de condições de trabalho para todos os agentes envolvidos no megaprocesso que envolve as quase duas centenas de militares da Brigada de Trânsito da GNR é evidente, perturbador e tem motivado reacções de desagrado, como constatou o CM junto de alguns advogados envolvidos neste caso.
“Não há memória de um processo desta envergadura”, repetem alguns dos causídicos contactados pelo nosso jornal, em que vão ser julgados 195 arguidos, 173 dos quais são militares da BT da GNR e 22 empresários.
José Miguel Júdice é um dos mais críticos. O bastonário da Ordem dos Advogados sublinhou que a falta de condições já vem do debate instrutório. E enumera o rol de insuficiências: “Não havia sítios onde nos sentarmos, uma mesa pequena para colocarmos os códigos, e ainda nos vimos na contingência de estarmos sentados ombro a ombro com colegas que podiam não ter posições coincidentes com as nossas, estando condenados a partilhar o mesmo espaço. É intolerável”.
Quer a Associação Desportiva e Cultural da Encarnação, quer o Tribunal de Monsanto, os dois espaços onde decorreu o processo em Lisboa, já mostraram que não servem. A própria juíza, Ana Teixeira e Silva, reconheceu ontem “a falta de condições das salas que existem”.
Manuel Matos Antão, outro dos advogados, lamenta que se tenha de viver com aquilo que há, mas não vislumbra uma solução, ao lamentar: “A situação da Justiça é esta, a solução é remediar”.
Para outro dos causídicos, José Albuquerque Pais, “o que é preciso é exigir que o Ministério da Justiça reveja as condições péssimas existentes”.
JUDICIÁRIA INVESTIGOU
A 4 de Abril de 2002 era dado o primeiro passo do combate à corrupção pela PJ de Faro, com a detenção nesse dia de oito elementos da BT da GNR, a exercerem funções no destacamento de Albufeira. Mas a acção de maior vulto veio da ‘Operação Centauro’, da PJ de Lisboa, agora com 195 arguidos. As suspeitas iam da corrupção e extorsão até à associação criminosa. Entre as vítimas surgiam camionistas apanhados em situação irregular.
A infracção mais comum centrava-se no facto dos pesados transportarem carga a mais. Também algumas empresas terão sido convidadas a entrar nos esquemas. Muitas vezes o perdão das multas era pago em materiais de construção ou combustível, além de dinheiro. A descoberta surgiu através da visibilidade dos sinais exteriores de riqueza dos elementos da BT, mas também de vigilâncias.
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