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Os cromos dos tribunais, apanhados a conduzir bêbados. Saúl e as cabeçadas na parede

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    Os cromos dos tribunais, apanhados a conduzir bêbados. Saúl e as cabeçadas na parede

    Esta história merece ser aqui reproduzida!!!:

    O caso do homem que se safou por não ter fôlego para soprar

    por Sílvia Caneco, Publicado em 16 de Julho de 2011

    Fernando José Custódio foi apanhado a conduzir aos esses. Estaria bêbado? Não se sabe, porque, segundo os agentes, desobedeceu e não soprou o suficiente no balão. Seria batoteiro? Ou seria asmático?



    Um homem sem força para soprar pode ter problemas. Ou atenuantes. Às vezes um simples advérbio de modo pode fazer a diferença, pelo menos numa sala de audiências.

    "Estaria o arguido verdadeiramente embriagado, ou apenas aparentemente embriagado?", questiona o defensor oficioso, de pé, depois de apresentar as "saudações" aos presentes.

    Do arguido não ouviremos uma palavra. Nem conheceremos a sua cara, ou a sua sombra. Apenas um nome: Fernando José Custódio. Sobre ele falará Amílcar, o agente da PSP que jura por sua honra só o conhecer "de uma noite". O arguido não apareceu, nem justificou a falta. Mesmo assim será julgado, na sua ausência.

    Os agentes seguiam no carro da PSP na Avenida dos Combatentes, em Lisboa, quando avistaram uma viatura a andar aos esses. Fernando Custódio, o condutor, só viria a parar, por ordem dos agentes, quilómetros à frente. Interpelado para fazer o teste do álcool, fingiu-se prestável. Mas depois, segundo o agente Amílcar, começou a fazer batota, pois nem as bochechas enchia para soprar.

    "Ele fazia que ia assoprando, mas parava o sopro."

    "Parava como?", questiona a juíza.

    "Não soprava o sopro suficiente."

    "Ele alguma vez disse que não conseguia soprar?"

    O agente exemplifica com uma onomatopeia difícil de reproduzir:

    "Ele só fazia ffffeeeeee..."

    Imagine uma criança sem força para encher um balão, o ar a ir-se embora e o balão a desmaiar. Imagine esse som, é mais ou menos isso que o agente Amílcar insiste em copiar para exemplificar as manhas do réu ausente.

    "Era só fffeeee e parava de soprar."

    "Mas ele fazia isso convictamente?", interroga o advogado de defesa. "Não seria asmático?"

    Questão pertinente: uma crise de asma retiraria a força a um homem para soprar no balão. É sempre um bom argumento para invocar. É como dizer que alguém é louco ou tem uma psicose qualquer: sem exames médicos é impossível de comprovar.

    "Estaria mesmo embriagado? Os testes foram insuficientes porque não houve uma colaboração activa ou havia alguma impossibilidade física?", insiste o advogado, pedindo que, perante a dúvida, se absolva o arguido. Chega a ser comovente ver um oficioso defender com tamanha dedicação um réu que nem sequer pôs um pé em tribunal.

    Só sobra Amílcar para responder, mas a avaliar pelo extenso interrogatório ninguém parece acreditar na força de autoridade, que ali está só na condição de testemunha.

    "Disseram-lhe que se ele não soprasse estaria a incorrer num crime de desobediência?", pergunta a juíza.

    "Sim, mas ele respondia que nós é que devíamos soprar. Até nos disse... posso dizer exactamente o que nos disse?"

    Silêncio.

    "Disse: ''Vocês são uma m€rda. Uma pessoa vem do trabalho, bebeu uns canecos e vocês vêm-nos lixar a vida.''"

    "E ofereceram-lhe a possibilidade de fazer contraprova no hospital?"

    "Ele recusou, não fazia nada nem deixava fazer, nem quis assinar o auto de detenção. Só sabemos o nome porque vimos os documentos. Para o final já estava melhorzinho, mas também tivemos mais de duas horas com o homem."

    O procurador recupera a importância de um advérbio de modo.

    "O arguido estava aparentemente embriagado, não sabemos se estava verdadeiramente embriagado, porque não quis fazer o teste. Não se conhecem antecedentes ao arguido, por isso pede-se pena de multa."

    Fernando Custódio é acusado do crime de desobediência, não do de condução com excesso de álcool, porque isso o alcoolímetro não conseguiu provar. Recebe uma pena de 60 dias de multa: terá de pagar somente 360 euros. E diz-se somente porque aqui o advérbio também importa. Antes dele, outro homem apanhado a conduzir com excesso de álcool - que obedeceu e apareceu em tribunal - foi condenado a 600 euros de multa e proibição de conduzir durante dez meses.() Ser desobediente compensa. Ter um advogado que se lembra de invocar uma doença respiratória também.
    O caso do homem que se safou por não ter fôlego para soprar


    Ora toma lá disto!

    Conclusão: o mundo é dos espertos e não dos sérios, honestos e cumpridores. Depois admiram-se de isto andar como anda...
    Editado pela última vez por LinoMarques; 16 July 2011, 21:18.

    #2
    LOOL grande pokemon esse..sabia toda...

    Comentário


      #3
      A minha mãe quando me mostrou, eu ri-me mais que sei lá o quê.

      Quando me mandarem soprar no balão eu digo "Ai não posso, sabe... Tenho probabilidades de ter um ataque asmático!"

      Comentário


        #4
        Originalmente Colocado por golden58 Ver Post
        A minha mãe quando me mostrou, eu ri-me mais que sei lá o quê.

        Quando me mandarem soprar no balão eu digo "Ai não posso, sabe... Tenho probabilidades de ter um ataque asmático!"
        as vezes tenho dificuldades em respirar,mas acredita que sempre me levaram ao balão soprei de tal maneira que puxavam e diziam ja chega e eu continuava...o resultado é que prontos...
        0.00...

        Comentário


          #5
          Ainda há que diga que a "chico-espertice" não compensa...

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            #6
            Isto já nem devia de ser notícia neste país.

            Lamentável. Mas mais lamentável que a atitude deste senhor, são os cabeçudos que se sentam por trás da mesa grande e que não aplicam penas a sério a estes vermes da sociedade.

            Comentário


              #7
              um sopra, apresenta-se e paga 600€, outro arranja uma desculpa qualquer e insulta os agentes e vai embora com quase metade do valor e com 0€ de multa por não se poder provar que estava alcoolizado. bonito...

              Comentário


                #8
                A peça não refere, mas o arguido também será condenado por não ter comparecido a tribunal.


                Mas quanto à situação em si, de facto livrou-se de uma multa que certamente seria superior, caso tivesse realmente acusado alcoolémia.

                Comentário


                  #9
                  Bom, sai mais um caso hilariante. Quase caí da cadeira de tanto rir ao imaginar a cena no tribunal!!! :

                  Digam o que disserem, a culpa de a coisa ter dado para o torto foi dos Bon Jovi

                  por Rosa Ramos, Publicado em 02 de Agosto de 2011


                  Há serviços em que ter gente conhecida pode facilitar as coisas. Noutros sítios, ser reconhecido é à partida um mau presságio. "Senhor Manuel, tem processos pendentes aqui neste tribunal, não tem?" Manuel Santos, natural de São Tomé, armador de ferro em Chelas, engole em seco. "Sim, fui condenado nas mesmas circunstâncias que as de hoje, mas ainda não paguei a multa..."

                  "Ah, pronto. É que parece que aqui a senhora procuradora do Ministério Público já o conhece", responde a juíza.

                  O que traz Manuel ao tribunal é, no fundo, o concerto dos Bon Jovi, anteontem, em Lisboa. Não que o armador de ferro de Chelas seja apreciador do género musical. Só que por causa do barulho não conseguiu pregar olho e a desgraça começou toda aí. As versões dos factos da polícia e do armador de ferro não poderiam ser mais diferentes, mas coincidem num ponto: se os Bon Jovi não tivessem tocado em Lisboa nada do que a seguir se vai relatar teria acontecido.

                  Manuel foi acusado de conduzir bêbedo no ponto alto do concerto, às 23h30, na Rua José Régio. Acusou uma taxa de 1,24 g/l quando foi mandado parar pela PSP.

                  "É verdade o que acabei de ler?", pergunta a juíza.

                  "Não, não é verdade."

                  "Então?"

                  "Primeiro que tudo, não fui abordado pelos agentes na José Régio, mas sim na Rua Ferreira da Castro, nas traseiras de minha casa."

                  "Não foi na Rua José Régio como consta nos autos?!", exclama a juíza, baralhada.

                  "Não. E há mais. O que aconteceu foi que eu estava a tentar dormir, em casa, mas estava com insónias por causa do concerto dos Bon Jovi que estava a haver ali perto. De repente ouvi alguém bater- -me na janela, porque eu moro num rés-do-chão. Levantei- -me, saí e vim à rua. Não vi ninguém. Voltei a deitar-me e voltei a ouvir alguém a bater--me na janela. E aí saí do prédio e fui para o carro, que estava estacionado ao pé de minha casa. Fiquei lá dentro à espera, a ver se percebia quem é que andava a fazer aquilo e liguei as luzes do veículo para ver melhor."

                  "Então e depois?"

                  "Depois fui abordado por um polícia que me pediu os documentos e me mandou abrir a bagageira. Logicamente que não encontrou nada por onde pegar. Perguntou- -me se eu tinha bebido e eu disse logo que sim. Fiz o teste, acusei, e levaram-me para outro local para fazer outro teste, que também acusou."

                  Já o agente Arnaldo, da PSP, tem uma história bem diferente para contar: "Este senhor foi detectado a conduzir na José Régio", começa por dizer, enquanto o arguido, agitado, põe o dedo no ar, como se estivesse na sala de aula, a pedir desesperadamente a palavra.

                  "Suspeitámos dele porque ia em excesso de velocidade e mandámo-lo encostar", continua o agente. O primeiro teste do balão acusou 1,21 g/l, mas Manuel exigiu uma segunda prova, que, bem vistas as coisas, só piorou o cenário e acusou... 1,24 g/l.

                  "Senhor agente, mas o senhor Manuel disse a este tribunal que só estava dentro do carro e que o motor não estava a trabalhar..."

                  "Isso é completamente falso. O que ele nos disse foi que estava em casa, não conseguia dormir por causa do barulho dos Bon Jovi e que tinha ido dar uma volta de carro para desanuviar", insiste o PSP. Manuel, 56 anos, todo vestido de caqui e meia turca cinzenta, afagada por uns sapatos clássicos pretos, tentou ser criativo, há que reconhecer-lhe algum mérito. Mas geralmente o Ministério Público não vai em histórias e considerou que o depoimento apresentado não fazia "qualquer sentido". E a procuradora pede uma multa "acima da média", atendendo aos antecedentes do arguido. Manuel foi condenado em 1997 por um crime de violação e maus-tratos (chegou a estar preso quatro anos) e outros crimes de condução sob o efeito do álcool - da última vez, em Dezembro, ficou sem carta quatro meses.

                  "Senhor Manuel, quer acrescentar alguma coisa?", pergunta a juíza antes de ler a sentença. Manuel levanta-se, olha para trás, para o agente da PSP que o acusou, irrita- -se e exclama bem alto: "Quero sim, nem sequer foi este o agente que me abordou! Foi outro!" Tentativa de golpe final falhada. Diz a juíza, para rematar: "Não faz sentido que alguém vá para a rua e se meta, sem circular, dentro de um veículo, para ver quem lhe anda a bater à janela." O esforço de Manuel, que até poderia dedicar-se à escrita de romances, de nada serviu: acabou condenado a 560 euros de multa e vai ficar quatro meses e 15 dias sem carta.
                  Digam o que disserem, a culpa de a coisa ter dado para o torto foi dos Bon Jovi

                  Comentário


                    #10
                    Originalmente Colocado por LinoMarques Ver Post
                    Bom, sai mais um caso hilariante. Quase caí da cadeira de tanto rir ao imaginar a cena no tribunal!!! :



                    Digam o que disserem, a culpa de a coisa ter dado para o torto foi dos Bon Jovi
                    De facto há que dar mérito ao sujeito, ele bem tentou...

                    Comentário


                      #11
                      Vá lá... Ao menos foi condenado... Milagre...

                      Comentário


                        #12
                        Uma dúvida:

                        Quando não se consegue soprar o balão (problemas de saúde, chico-espertice, etc) o exame não é feito no hospital por análises ao sangue?

                        Comentário


                          #13
                          desta vez a contra-análise até deu mais que a primeira análise. ainda piorou o estado das coisas. quer dizer que o balão estava a "descontar os 10% de tolerância".

                          depois a cena do tribunal... parece que estou mesmo a vê-lo a gozar com todos. acabou multado e muito bem!

                          Comentário


                            #14
                            Mais um caso:

                            Crónica

                            Crónica de meia-idade. A crise dos 40 do senhor Homem

                            por Rosa Ramos, Publicado em 22 de Agosto de 2011


                            T. Homem foi a tribunal por conduzir bêbedo. A crise de meia-idade não podia ser pior: acabou de fazer 40 anos, está desempregado, divorciou-se e agora vive com a mãe


                            A astúcia faz parte do ofício da advocacia. T. Homem trouxe o próprio advogado para se defender perante o tribunal. E antes de a juíza dizer o que quer que seja, o ilustre defensor do arguido adianta--se: "Meritíssima juíza, uma vez que é a primeira vez que o meu cliente vem a tribunal, pedia-lhe que resolvêssemos isto de outra forma, sem que precisemos de julgamento... uma vez que não há antecedentes criminais..." A juíza olha para o advogado com ar espantado, franze a sobrancelha, consulta um molho de folhas que tem em cima da mesa, volta a consultá-las e responde: "Oh sotôr, vai-me desculpar, mas eu estou aqui a ver o registo criminal do seu cliente, onde consta uma condenação do mesmo género em Maio de 2007..."

                            "Ah... que chatice, não sabia. Desculpe, meritíssima", responde o advogado, aparentemente pouco constrangido com a gafe. Tentativa falhada. T. Homem vai mesmo ser julgado. Maldito sistema informático dos tribunais e das polícias que não deixa escapar nada.

                            A vida do senhor Homem (vamos passá-lo a chamar assim) não anda fácil. Divorciou-se há pouco tempo pela segunda vez, está desempregado há um ano e meio e acabou de fazer 40 anos - é sabido que não há nada mais dramático para um homem, mesmo que se chame Homem, do que entrar na terrível crise dos 40. Consta que, nessas idades, homem que é homem passa a interessar-se por miúdas com pelo menos metade da sua idade e sente--se impelido por forças sobrenaturais a comprar Ferraris. Quanto à vida sentimental do arguido, pouco ou nada sabemos. Já a ideia do topo de gama deve estar, por enquanto, fora de questão: Homem já foi um gestor relativamente bem sucedido, mas agora ganha pouco mais de 500 euros e graças a um part-time que um amigo do peito lhe arranjou num restaurante.

                            Com a vida assim de pantanas, não é de espantar que o senhor Homem tenha sido apanhado pela polícia a conduzir embriagado. Eram 5h35 na Avenida da Liberdade. Taxa de álcool no sangue: 1,35 g/lt.

                            "O que é que o senhor tem a dizer?", pergunta a juíza.

                            Homem, em plena crise de meia-idade, não pode fazer mais nada senão admitir os factos. "É perfeitamente verdade", responde, cabisbaixo. Depois, ergue a cabeça e explica-se melhor: "Tínhamos saído do trabalho já tarde, jantámos. Eu ia com o dono do carro e outro amigo, só que eles ainda estavam piores do que eu, mais bêbedos, e tive de ser eu a levar o carro. Foi uma estupidez, senhora juíza". Foi azar ter apanhado uma gaja, pensa agora T. Homem. Se o juiz fosse homem, talvez tivesse maior sensibilidade para compreender as agruras de ser homem, ter 40 anos e não poder comprar o raio do Ferrari. Desde o divórcio, Homem vive com a mãe - que coisa triste, viver--se com a mãe aos 40 anos e voltar ao quarto da adolescência. Os posters da Samantha Fox desbotados, a Sophie Marceau a olhar de soslaio pendurada ao pé da janela, a Kim Wilde atrás da porta, os discos dos Wham! misturados com os do George Michael. Para ajudar a mãe, que coisa juvenil, Homem dá-lhe 100 euros por mês. Fora os 300 que ainda tem de desembolsar para ajudar os filhos - dois do primeiro casamento, um do segundo. Também é a mãe de Homem quem paga as propinas da neta mais velha, que já anda na universidade.

                            Antes da leitura da sentença, o advogado de defesa volta a tentar a sua sorte: "Gostava de perguntar ao meu cliente se está arrependido". A juíza nem deixa o arguido responder: "Oh doutor, se ele está aqui certamente que estará arrependido, não é? Adiante..." Mais uma tentativa: o advogado volta à carga e tenta agora comover a magistrada. "Sotôra, a vida está muito difícil". Mas a juíza não vai na conversa: "Pois está, é por isso que cada vez mais é preciso ter juízo na cabeça. E o senhor Homem já devia ter aprendido em 2007, quando foi condenado pelo mesmo crime e ficou três meses sem carta". O advogado cala-se de vez e enterra os olhos na pilha de papéis que tem em cima da mesa. Desta vez, T. Homem fica cinco meses sem carta e vai ter de pagar 500 euros de multa. "Pode pagar em prestações ou em trabalho comunitário", remata a juíza. Bem vistas as coisas, Homem até teve sorte: podia ter apanhado até um ano de prisão. A juíza continua determinada em pregar sermão: "Numa primeira vez até se dá o benefício da dúvida, mas numa segunda já não, e acredite que até estou a ser muito benevolente". Homem que é Homem sofre. Muito.
                            Crónica de meia-idade. A crise dos 40 do senhor Homem

                            Comentário


                              #15
                              A triste história de Saul: não conseguia tirar a carta porque bateu com a cabeça na parede

                              por Sílvia Caneco, Publicado em 16 de Setembro de 2011

                              Mas tanto estudou, tanto estudou que conseguiu: já não tinha de cometer mais crimes por conduzir sem carta. O problema é que depois de três anos com habilitação legal para conduzir voltou a meter-se em sarilhos. Ai Saul, Saul, não nos digas que tinhas saudades do tribunal

                              Depois de sete visitas ao tribunal, sete condenações, muitos escudos e euros de multas pagas e outras tantas penas de prisão suspensas, Saul decidiu que tinha de mudar de vida. E só ele sabe como se esforçou. A cabeça nunca mais tinha sido a mesma desde aquele acidente, o esforço de aprendizagem era enorme, a memória tinha dias que trabalhava pouco mais que a de um peixe de aquário. Mas Saul já estava mais que avisado: da próxima vez que aparecesse em tribunal com uma acusação pelo mesmo crime ia direitinho para a prisão.

                              Por isso quis redimir-se. E estudou, estudou, fez testes atrás de testes, foi fazer exame, chumbou, amealhou dinheiro, novo exame, chumbou, outro exame, chumbou. Mas Saul não desistiu e depois de três tentativas falhadas chegou o dia em que conseguiu, finalmente, tirar a carta de condução. Tinha, na altura, 35 anos: é sabido, nunca é tarde para se ter uma infância feliz.

                              Desde então, corria o ano de 2008, deixou de ser visto nos corredores da Pequena Instância Criminal. Tudo fazia crer que era um homem novo e que o esforço da sua conquista o tinha afastado, de vez, de uma carreira criminosa. Mas como um bom filho à casa torna, um reincidente crónico também quase sempre torna ao tribunal.

                              Ali está ele, o canalizador com a 4.a classe, pai de três filhos, acusado de mais um crime. E não, desta vez não é de condução sem habilitação legal: a carta, pelo que se sabe, não era falsificada - apesar de também constar do seu cadastro um crime de falsificação de documentos. Acontece que Saul não soube preservar o que tanto penou para ganhar, bebeu uns copos a mais, foi apanhado pela polícia na via pública e agora... agora resta-nos olhar para ele num enorme sofrimento em tribunal. Ai Saul, Saul, não devias tu preservar essa carta como a tua vida?

                              Ainda por cima foi por pouco: 15 gramas de álcool a menos e não era crime. Mas nestas coisas é assim. Por um grama se ganha, por 15 gramas se perde. E com tantos antecedentes, uma taxa de 1,35 gramas de álcool por litro de sangue foi mais que suficiente para levar Saul a julgamento.

                              Na sala de audiências, enquanto a juíza organiza o processo, Saul não está preocupado com o que poderá vir a pagar de multa, ou até com uma eventual visita à cadeia. Não quer saber o que vai acontecer com ele, apenas o que vai acontecer à sua carta, que tanto trabalhinho deu a tirar.

                              "Isso que disse é tudo verdade, doutora. E olhe que me custou muito tirar a carta. Bati com a cabeça."

                              Bateu com a cabeça no momento em que fazia o exame? Teve um acidente?

                              Ele adianta mais alguns pormenores:

                              "Bati com a cabeça na parede e custou-me muito, mesmo muito, tirar a carta. Tive de fazer o código três vezes."

                              Ficamos curiosos, mas a juíza não pergunta e Saul não esclarece onde, quando, e em que condições se deu o fatídico acidente que condicionou para sempre a sua vida, ou pelo menos a sua ligação com viaturas motorizadas, esquadras e tribunais.

                              "Então e sofreu tanto para tirar a carta e foi beber antes de conduzir?"

                              "Deixei de beber desde que tirei a carta. Porque me custou tanto tirar a carta. Não bebo bebidas alcoólicas, só que vieram uns amigos meus da Suíça e fomos jantar. Eu bebi um copo de vinho, um café (qual será o teor alcoólico do café?) e eles mandaram vir um uísque. Foi pouco, só que eu também comi pouco e já não estava habituado a beber."

                              "E está arrependido?"

                              "Bastante arrependido. Ai doutora, se estou, o que me custou tirar a carta..."

                              No momento das alegações finais percebe-se que Saul também não teve muita sorte com a advogada que lhe calhou na rifa e parece ter mais problemas de expressão do que ele.

                              "Aaaaa... o arguido confessou e aaaaaa.... atendendo à hora da ocorrência, deve ter sido logo após a ingestão da bebida. Pede-se multa próxima dos limites mínimos devido aos seus encargos e o que aufere... aaa... tirou a carta há menos de três anos... e aaaa... uma eventual comunicação deste facto ao IMTT poderia aaaa... levar à cassação da carta."

                              A juíza faz contas numa máquina de calcular. Saul está nervoso e estala os dedos, um a um, como se descalçasse umas luvas. Trec, trec, trec. Saul está tão nervoso que apostamos que nem percebe o que lhe perguntam.

                              "Quer a gravação da audiência?"

                              "Custou-me tanto tirar a carta, se ma tirarem é como se me cortassem as pernas."

                              "Está bem, mas quer a gravação?"

                              "Sim, é melhor."

                              Saul sai com pena de multa: 80 dias, à taxa diária de 5 euros. E sai também com a carta mas... por pouco tempo. Dentro de dias terá de a entregar no tribunal se não quiser incorrer em crime de desobediência. Durante três meses não vai poder conduzir o seu Opel nem nenhum outro veículo a motor. E, pelo sim pelo não, mais vale ficar a rezar para a carta não ser definitivamente cassada e ter de voltar a uma escola de condução e repetir a penitência.

                              Saul agradece e sai da sala com dores, como se lhe tivessem cortado as pernas. Em casa põe a cassete com a gravação do julgamento a tocar no rádio e arranja forma de se punir: ouvir em repeat o seu registo criminal com sete crimes por condução sem carta e um por se ter esquecido que se bebesse podia ficar sem ela.


                              (Texto retirado de: A triste história de Saul: não conseguia tirar a carta porque bateu com a cabeça na parede)

                              Comentário


                                #16
                                Originalmente Colocado por LinoMarques Ver Post
                                ...

                                Ainda por cima foi por pouco: 15 gramas de álcool a menos e não era crime. Mas nestas coisas é assim. Por um grama se ganha, por 15 gramas se perde. E com tantos antecedentes, uma taxa de 1,35 gramas de álcool por litro de sangue foi mais que suficiente para levar Saul a julgamento.

                                ...

                                15 gramas, não.

                                15 centésimas da grama, sim.

                                Quanto ao resto, nada a dizer.
                                Editado pela última vez por Agent; 16 September 2011, 13:46. Razão: Erro matemático. Obrigado nathaniel.

                                Comentário


                                  #17
                                  Originalmente Colocado por Agent Ver Post
                                  15 gramas, não.

                                  15 décimas da grama, sim.

                                  Quanto ao resto, nada a dizer.
                                  para mim, são 15 centésimos de grama

                                  15 gramas havia de ser lindo

                                  Comentário


                                    #18
                                    Originalmente Colocado por nathaniel Ver Post
                                    para mim, são 15 centésimos de grama

                                    15 gramas havia de ser lindo
                                    Pois é.

                                    Comentário


                                      #19
                                      Verdade! São "apenas" 0,15 g, não 15! Senão era caso para dizer que havia muito sangue no álcool!

                                      Comentário


                                        #20
                                        li a do senhor homem que teve azar com a juíza que lhe calhou, agora vou ler a segunda. andam por aqui umas pérolas jeitosas, andam!

                                        Comentário


                                          #21
                                          Originalmente Colocado por nto Ver Post
                                          A peça não refere, mas o arguido também será condenado por não ter comparecido a tribunal.


                                          Mas quanto à situação em si, de facto livrou-se de uma multa que certamente seria superior, caso tivesse realmente acusado alcoolémia.

                                          Se não apresentou o motivo da não comparencia em tribunal tem de pagar 204€.

                                          Comentário


                                            #22
                                            Lembra-se do Orlando? A juíza prometeu ser branda se ele passasse no exame de condução. Será que...?

                                            Publicado em 17 de Setembro de 2011

                                            Foi condenado sete vezes por conduzir sem carta. À oitava jurou que se estava a redimir e até já tinha exame de condução marcado. A juíza adiou a leitura da sentença para esse dia. Será que Orlando conseguiu? Ou será que não passou? Tchan tchan tchan tchan...


                                            Lembra-se do Orlando, o condutor sem carta crónico que se tornou personagem destas crónicas no dia 5 de Setembro e até poderia ter dado origem a um grupo de apoio no Facebook? Se não se lembra, nós recapitulamos.

                                            O Orlando é conhecido em todos os juízos e secções da Pequena Instância e até nas Varas Criminais devido à sua propensão para cometer crimes. Um deles é o de condução sem habilitação legal: já foi apanhado oito vezes a conduzir sem carta. Quando chegou ao julgamento, no início de Setembro, o vendedor ambulante de Chelas confessou tudo de uma enfiada e acrescentou um ponto inteligente para a defesa: andava a tirar a carta de condução, tinha passado no código à primeira, o instrutor elogiava a sua capacidade para manobrar a viatura e até já tinha exame de condução marcado para dia 16, ao meio-dia.

                                            Ouvindo isto, o advogado de defesa insistiu que lhe fosse dado prazo para defesa, na esperança de que na data da leitura da sentença Orlando já tivesse o documento mágico. A juíza acedeu. E até prometeu ser branda caso Orlando conseguisse passar no exame de condução.

                                            É claro que o dia 16 foi um dia difícil para Orlando: uma pessoa já fica cheia de nervos quando vai para um exame de condução, agora imagine-se ir para um exame de condução sabendo que o resultado vai decidir se permanecemos em liberdade ou se nessa mesma noite já vamos dormir à prisão. Coitado do Orlando, são muitos nervos para um homem só: ainda por cima para um homem assim, magrinho, magrinho. Até podemos jurar que não dormiu nas últimas sete noites e nem um iogurte bebeu naquela manhã, tal era a aflição do estômago.

                                            Todos querem saber o desfecho mas...

                                            Passam dez minutos da hora marcada para a leitura da sentença e nem sinal de Orlando. O advogado anda para trás e para a frente no corredor do tribunal, espreita pela janela, olha para o relógio e já está a suar. Passam dez minutos, 15 minutos, 18 minutos e... Orlando nem vê-lo. A esta hora, advogado e oficial de justiça já estão a pensar que Orlando não vai aparecer, que chumbou no exame e ficou com tanta vergonha que nem quer pôr lá um pé ou até já se pôs em fuga.

                                            Mas às 15h50, 20 minutos depois da hora prevista, Orlando aparece com a mulher, que o trata carinhosamente por "carumba" e apressa-se a justificar o atraso com... a demora dos transportes públicos. Nem uma palavra sobre o resultado do exame.

                                            Será que ele conseguiu tirar a carta e vai obter clemência da juíza?

                                            Ele, para nosso desgosto, a morrer de curiosidade, começa por outro detalhe. Na audiência tinha jurado a pés juntos que só conduzira naquele dia devido a uma emergência, pois estava fartinho de saber que não podia guiar sem carta. Relembramos.

                                            "Sotôra, eu vinha do hospital. Eu e a minha companheira perdemos uma menina à nascença por causa de uma bactéria que estava escondida na placenta. Ela está grávida e sentiu-se mal. Ficámos assustados e com medo que voltasse a acontecer."

                                            Valeu o que valeu, o que os juízes mais ouvem são histórias de crimes por emergências. Mas Orlando não aceita passar por mentiroso e traz a prova: uma justificação que comprova que, no dia do crime, esteve mesmo com a mulher na maternidade.

                                            Ficamos satisfeitos por saber que não mentiu. Mas e a questão que verdadeiramente importa: passou ou não passou no exame de condução?

                                            "Então senhor Orlando, conte lá o que se passou hoje."

                                            Suspense na sala, vai ser agora.

                                            "Por graça de Deus, sotôra, consegui passar no exame", revela finalmente Orlando, de olhos a faiscar.

                                            Weeeee! Aplaudimos em silêncio. A juíza - que nem um sorriso mostrou quando ouviu a boa-nova - terá agora de cumprir a promessa. Condena Orlando a uma pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução, mas avisa que esta "é mesmo a última oportunidade". Se Orlando não tivesse passado no exame, passaria 14 meses atrás das grades.

                                            Orlando é felicitado pelo procurador e sai aos pulos, excitadíssimo. Afinal não é todos os dias que se vencem duas causas.

                                            À oitava vez, Orlando tornou-se a prova de que pau que nasce torto às vezes também se endireita. Passa pelo agente que o autuou e brinca: "Agora já me pode mandar parar as vezes que quiser." Depois faz um ultimato ao advogado: "Doutor, quando voltar ligue-me, para eu lhe pagar um almoço." O defensor está com pressa mas como Orlando está feliz e quer assinalar a data lança o convite aos funcionários: faz questão de lhes pagar um almoço no restaurante com o melhor cozido à portuguesa do Beato. Numa quinta-feira próxima.

                                            Há histórias assim, com final feliz.
                                            Lembra-se do Orlando? A juíza prometeu ser branda se ele passasse no exame de condução. Será que...?



                                            E quantos Orlandos não haverá por esse país fora? Ah pois!

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