É um artigo bastante extenso, mas que vale plenamente a pena ler! :
O fim da hegemonia dos EUA | Económico
O fim da hegemonia dos EUA
Lionel Barber
07/09/11
Há dez anos, os EUA eram a nação mais poderosa do mundo e vivia em paz. Hoje, após a guerra ao terroismo, a dívida nacional é a maior ameaça à segurança do país.
Na manhã do 11 de Setembro de 2001, a América era um país com perspectivas. O preço do barril de petróleo de Brent era de 28 dólares o barril, o governo federal tinha um excedente orçamental e a economia norte-americana estava então a recuperar depois do choque das ‘ponto.com'. Era a nação mais poderosa do mundo e vivia em paz.
Dez anos depois, o preço do barril de petróleo ronda os 115 dólares por barril, as previsões apontam para um défice orçamental norte-americano de 1.580 mil milhões de dólares para 2011, um dos maiores da sua história; a economia continua numa situação conturbada depois do choque financeiro de 2008; os serviços militares e de informação continuam em guerra, combatendo os insurgentes e o terrorismo islâmico radical no Afeganistão, Paquistão, Iémen...
O Almirante William Mullen, o chefe do estado-maior das Forças Armadas, agora de saída, descreveu a dívida nacional como a maior ameaça à segurança nacional norte-americana. A recente redução na notação dos EUA por parte do Standard & Poor's parece confirmar a derrapagem desta superpotência. E apesar de não haver uma narrativa linear do que aconteceu desde os ataques do 11 de Setembro até à actual situação económica, o que é facto é que o custo ajustado à inflação "da guerra global contra o terrorismo" é superior a dois mil biliões de dólares, duas vezes o custo da guerra do Vietname.
A resposta do presidente George W. Bush aos ataques às Torres Gémeas foi lançar-se em duas guerras contra o Afeganistão e o Iraque, socorrendo-se de alianças e do direito internacional, fazendo ao mesmo tempo uma promoção quase evangélica da democracia liberal no Médio Oriente. As posições duras da administração norte-americana fracturaram alianças na Europa e provocaram uma queda da imagem dos EUA no estrangeiro.
No lado positivo temos o facto de a América ter conseguido escapar até agora a outro ataque terrorista em solo nacional. Outros houve que não tiveram essa sorte. Os ataques bombistas em Bali (2002), Madrid (2004), e Londres (2005) não tiveram escala dos ataques do 11 de Setembro, mas reclamaram várias vítimas. A Al-Qaeda está enfraquecida mas ainda não desapareceu. Dezenas de discos de computador recuperados do esconderijo de Osama bin Laden em Abbottabad, no Paquistão, sugerem que o líder da al-Qaeda, morto em Maio passado durante um longo raid por parte dos US Navy Seals, estava a planear outro grande ataque, quiçá para coincidir com o aniversário do 11 de Setembro que se celebra este fim de semana.
E o despertar nos países árabes durante este ano introduz a ideia de que o Médio Oriente - à excepção de Israel - está congenitamente incapaz de abraçar a democracia. Um a um os autocratas da região, desde Zine el-Abidine Ben Ali na Tunísia a Hosni Mubarak no Egipto, foram derrubados pela acção de manifestantes exigindo dignidade, liberdade e emprego. Na verdade, a queda de Muammar Kadhafi na Líbia foi precipitada por rebeliões armadas ajudadas por aviões da NATO; mas o presidente Bashar al-Assad da Síria pode ser o próximo líder a sentir a força da rua árabe.
A questão que se coloca é se Bush estava certo ao defender que as autocracias no Médio Oriente eram incubadoras do terrorismo islâmico radical e, consequentemente, um perigo claro e bem presente para os EUA. Se a resposta for sim, então os falhanços da sua administração tiveram mais que ver com uma má execução do que com diagnósticos errados.
Uma segunda questão prende-se em saber se a resposta militar da administração americana ao 11 de Setembro representou um desvio desproporcionado e dispendioso de recursos e de atenções numa altura em que mundo ia sendo moldado pela ascensão de novos actores, nomeadamente da China?
Depois dos ataques às Torres Gémeas parecíamos estar a assistir a um alinhamento geopolítico comparável aos que ocorreram em 1815, 1945 ou 1989. Os EUA conseguiram fazer uma coligação contra o terrorismo que incluía rivais como a Rússia e a China, bem como antigos párias como Cuba, o Irão e o Sudão.
A resposta militar foi igualmente eficaz. Depois de identificar os actores destes actos, os EUA fizeram uma brilhante campanha improvisada para derrubar os talibãs no Afeganistão. Forças especiais norte-americanas juntaram-se aos Senhores da Guerra e com a ajuda de uma pujante força área derrubaram o regime de Cabul em duas semanas. Apesar de os líderes, nomeadamente Mullah Omar e Bin-Laden, terem escapado na altura, a rede da al-Qaeda foi atacada impiedosamente e sofreu fortes rombos.
Mas ao fim de um ano os EUA estavam a perder a moral no terreno, O erro de Bush foi achar que a mudança do regime no Iraque era apenas um passo no sentido de atacar o que descreveu então como altura como o "eixo do mal", ou seja, o Irão, a Coreia do Norte e outros potenciais adversários suspeitos de albergarem e patrocinarem terroristas. De um momento para o outro, os EUA eram vistos como uma nação implacável.
As preocupações surgiram quando, em 2002, os EUA abandonaram a doutrina de segurança nacional de dissuasão e contenção, começando a adoptar antes estratégias de acção militar de prevenção e mudanças de regime e um novo tipo de guerra que justificava a tortura e negava os direitos contidos na Convenção de Genebra a suspeitos de terrorismo.
A Guerra do Iraque seria travada assim sem o apoio de aliados tradicionais como o Canadá, França e a Alemanha; sem o apoio do Conselho de Segurança da ONU; e sem provas conclusivas de que Saddam Hussein tinha armas de destruição massiva que colocassem uma ameaçada imediata aos EUA. No que toca aos aliados, o primeiro-ministro britânico Tony Blair deu cobertura, isto apesar das declarações do secretário da defesa norte-americano declarar que as forças do Reino Unido era redundantes do ponto de vista militar.
No final da década os aliados europeus começaram a retirar-se das operações no Afeganistão e Iraque. A Europa também ficou diminuída e não só durante o conflito na Líbia onde a Alemanha optou por não participar e a Grã-Bretanha e a França ficaram sem munições no espaço de poucas semanas. No início do novo século, animados com o lançamento da nova união monetária, os líderes europeus acordaram planos no sentido de tornarem a União Europeia na zona económica mais competitiva do mundo.
Dez anos depois da criação da UEM eis que o projecto apresenta sérias falhas. Os mecanismos de cumprimento da disciplina orçamental foram ignorados pelos seus membros, grandes e pequenos, incluindo a Alemanha, a economias periféricas que cresceram graças às baixas taxas de juro foram expostas como pouco competitivas e o contágio nos mercados obrigacionistas ameaça espalhar-se agora a Itália.
Falando do legado do 11 de Setembro, Gerard Lyons, economista chefe do Standard Chartered Bank, afirma que as palavras mais importantes da década passada não foram "guerra ao terrorismo" mas sim "Made in China". E se as coisas continuarem como estão, as três palavras mais importantes desta década serão "Propriedade da China".
(Tradução de Carlos Tomé Sousa)
Lionel Barber
07/09/11
Há dez anos, os EUA eram a nação mais poderosa do mundo e vivia em paz. Hoje, após a guerra ao terroismo, a dívida nacional é a maior ameaça à segurança do país.
Na manhã do 11 de Setembro de 2001, a América era um país com perspectivas. O preço do barril de petróleo de Brent era de 28 dólares o barril, o governo federal tinha um excedente orçamental e a economia norte-americana estava então a recuperar depois do choque das ‘ponto.com'. Era a nação mais poderosa do mundo e vivia em paz.
Dez anos depois, o preço do barril de petróleo ronda os 115 dólares por barril, as previsões apontam para um défice orçamental norte-americano de 1.580 mil milhões de dólares para 2011, um dos maiores da sua história; a economia continua numa situação conturbada depois do choque financeiro de 2008; os serviços militares e de informação continuam em guerra, combatendo os insurgentes e o terrorismo islâmico radical no Afeganistão, Paquistão, Iémen...
O Almirante William Mullen, o chefe do estado-maior das Forças Armadas, agora de saída, descreveu a dívida nacional como a maior ameaça à segurança nacional norte-americana. A recente redução na notação dos EUA por parte do Standard & Poor's parece confirmar a derrapagem desta superpotência. E apesar de não haver uma narrativa linear do que aconteceu desde os ataques do 11 de Setembro até à actual situação económica, o que é facto é que o custo ajustado à inflação "da guerra global contra o terrorismo" é superior a dois mil biliões de dólares, duas vezes o custo da guerra do Vietname.
A resposta do presidente George W. Bush aos ataques às Torres Gémeas foi lançar-se em duas guerras contra o Afeganistão e o Iraque, socorrendo-se de alianças e do direito internacional, fazendo ao mesmo tempo uma promoção quase evangélica da democracia liberal no Médio Oriente. As posições duras da administração norte-americana fracturaram alianças na Europa e provocaram uma queda da imagem dos EUA no estrangeiro.
No lado positivo temos o facto de a América ter conseguido escapar até agora a outro ataque terrorista em solo nacional. Outros houve que não tiveram essa sorte. Os ataques bombistas em Bali (2002), Madrid (2004), e Londres (2005) não tiveram escala dos ataques do 11 de Setembro, mas reclamaram várias vítimas. A Al-Qaeda está enfraquecida mas ainda não desapareceu. Dezenas de discos de computador recuperados do esconderijo de Osama bin Laden em Abbottabad, no Paquistão, sugerem que o líder da al-Qaeda, morto em Maio passado durante um longo raid por parte dos US Navy Seals, estava a planear outro grande ataque, quiçá para coincidir com o aniversário do 11 de Setembro que se celebra este fim de semana.
E o despertar nos países árabes durante este ano introduz a ideia de que o Médio Oriente - à excepção de Israel - está congenitamente incapaz de abraçar a democracia. Um a um os autocratas da região, desde Zine el-Abidine Ben Ali na Tunísia a Hosni Mubarak no Egipto, foram derrubados pela acção de manifestantes exigindo dignidade, liberdade e emprego. Na verdade, a queda de Muammar Kadhafi na Líbia foi precipitada por rebeliões armadas ajudadas por aviões da NATO; mas o presidente Bashar al-Assad da Síria pode ser o próximo líder a sentir a força da rua árabe.
A questão que se coloca é se Bush estava certo ao defender que as autocracias no Médio Oriente eram incubadoras do terrorismo islâmico radical e, consequentemente, um perigo claro e bem presente para os EUA. Se a resposta for sim, então os falhanços da sua administração tiveram mais que ver com uma má execução do que com diagnósticos errados.
Uma segunda questão prende-se em saber se a resposta militar da administração americana ao 11 de Setembro representou um desvio desproporcionado e dispendioso de recursos e de atenções numa altura em que mundo ia sendo moldado pela ascensão de novos actores, nomeadamente da China?
Depois dos ataques às Torres Gémeas parecíamos estar a assistir a um alinhamento geopolítico comparável aos que ocorreram em 1815, 1945 ou 1989. Os EUA conseguiram fazer uma coligação contra o terrorismo que incluía rivais como a Rússia e a China, bem como antigos párias como Cuba, o Irão e o Sudão.
A resposta militar foi igualmente eficaz. Depois de identificar os actores destes actos, os EUA fizeram uma brilhante campanha improvisada para derrubar os talibãs no Afeganistão. Forças especiais norte-americanas juntaram-se aos Senhores da Guerra e com a ajuda de uma pujante força área derrubaram o regime de Cabul em duas semanas. Apesar de os líderes, nomeadamente Mullah Omar e Bin-Laden, terem escapado na altura, a rede da al-Qaeda foi atacada impiedosamente e sofreu fortes rombos.
Mas ao fim de um ano os EUA estavam a perder a moral no terreno, O erro de Bush foi achar que a mudança do regime no Iraque era apenas um passo no sentido de atacar o que descreveu então como altura como o "eixo do mal", ou seja, o Irão, a Coreia do Norte e outros potenciais adversários suspeitos de albergarem e patrocinarem terroristas. De um momento para o outro, os EUA eram vistos como uma nação implacável.
As preocupações surgiram quando, em 2002, os EUA abandonaram a doutrina de segurança nacional de dissuasão e contenção, começando a adoptar antes estratégias de acção militar de prevenção e mudanças de regime e um novo tipo de guerra que justificava a tortura e negava os direitos contidos na Convenção de Genebra a suspeitos de terrorismo.
A Guerra do Iraque seria travada assim sem o apoio de aliados tradicionais como o Canadá, França e a Alemanha; sem o apoio do Conselho de Segurança da ONU; e sem provas conclusivas de que Saddam Hussein tinha armas de destruição massiva que colocassem uma ameaçada imediata aos EUA. No que toca aos aliados, o primeiro-ministro britânico Tony Blair deu cobertura, isto apesar das declarações do secretário da defesa norte-americano declarar que as forças do Reino Unido era redundantes do ponto de vista militar.
No final da década os aliados europeus começaram a retirar-se das operações no Afeganistão e Iraque. A Europa também ficou diminuída e não só durante o conflito na Líbia onde a Alemanha optou por não participar e a Grã-Bretanha e a França ficaram sem munições no espaço de poucas semanas. No início do novo século, animados com o lançamento da nova união monetária, os líderes europeus acordaram planos no sentido de tornarem a União Europeia na zona económica mais competitiva do mundo.
Dez anos depois da criação da UEM eis que o projecto apresenta sérias falhas. Os mecanismos de cumprimento da disciplina orçamental foram ignorados pelos seus membros, grandes e pequenos, incluindo a Alemanha, a economias periféricas que cresceram graças às baixas taxas de juro foram expostas como pouco competitivas e o contágio nos mercados obrigacionistas ameaça espalhar-se agora a Itália.
Falando do legado do 11 de Setembro, Gerard Lyons, economista chefe do Standard Chartered Bank, afirma que as palavras mais importantes da década passada não foram "guerra ao terrorismo" mas sim "Made in China". E se as coisas continuarem como estão, as três palavras mais importantes desta década serão "Propriedade da China".
(Tradução de Carlos Tomé Sousa)
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