Esta é uma realidade pouco abordada e preocupante, a violência dos filhos sobre os pais. O quais as causas disto? Uma educação deficitária? Falta de comunicação e valores? Como combater este flagelo?
O número de queixas de agressões de filhos a pais não pára de aumentar em Portugal: se em 2006 a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) recebeu 349 denúncias de pais contra os filhos, no ano passado este tipo de violência doméstica disparou para 390 casos, uma subida de 12 por cento face a 2006. Os actos agressivos de jovens com idades entre 18 e 25 anos já representam 20 por cento do total das denúncias registadas pela APAV.
Os dados da APAV deixam claro que a maior taxa de crescimento das agressões aos pais ocorreu entre os filhos com idades compreendidas entre os 36 e os 45 anos, mas os adolescentes e os jovens adultos agridem também cada vez mais os progenitores. Em 2007 as agressões aos pais aumentaram 40 por cento nos filhos com idades entre 36 e 45; 32 por cento no universo dos filhos com idades entre os 18 e 25 e 23 por cento entre os filhos com idade até aos 17 anos. Por norma a APAV tem dificuldade em identificar o tipo de agressões praticadas, mas Elsa Beja, especialista desta Associação, diz que regra geral são 'maus tratos físicos e psicológicos'. Em concreto, 'a violência física vai de tareias a coisas menores como o empurrão ou o pontapé e os maus tratos psíquicos passam por chamar nomes e destruir a auto-estima dos pais', precisa. Elsa Beja garante que 'as agressões de filhos a pais é um fenómeno transversal: não escolhe sexo, idade, estrato social'. E garante que esta realidade 'atinge também as classes mais altas'.
Com as estatísticas a indicarem um crescimento da taxa de agressividades dos adolescentes face aos pais, os especialistas explicam este comportamento com o 'aumento do individualismo', na síntese de Ana Vasconcelos. Para esta especialista em pedopsiquiatria, 'os casais deixam de ter muitas vezes a preocupação em transmitir valores aos filhos'.
DISCURSO DIRECTO:
'É PRECISO ASSUMIR PROBLEMA DA VIOLÊNCIA',
Joana Marques Vidal, presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
Que razões explicam o aumento das agressões de filhos menores aos pais?
Joana Marques Vidal – Verifica-se de facto um aumento de casos sinalizados, quer nos gabinetes da APAV quer nas estatísticas oficiais das entidades policiais e dos tribunais. Não se sabe no entanto se esse aumento corresponde à existência de um maior número de casos ou se é reflexo de uma maior consciência sobre esta realidade.
– O fenómeno pode ser mais grave ainda?
– Pensamos que sim. Não é fácil um pai ou uma mãe reconhecer que o seu filho é capaz de ter comportamentos daqueles. E ainda é mais difícil assumir a possibilidade de se queixarem à polícia e aos tribunais.
– Os pais demitiram-se da sua responsabilidade?
– Nunca, como agora, se apelou tanto às responsabilidades dos pais. De certa forma nunca estes as assumiram tão claramente. O afecto e a compreensão são confundidos com a permissividade e ausência de imposição de limites. A recusa, justa, do autoritarismo, com falta de autoridade.
– Como se pode mudar esta situação?
– Assumir o problema da violência em geral e da violência dos filhos contra os pais como uma verdadeira questão de cidadania é fundamental. É imprescindível promover e incentivar o estudo científico e académico desta realidade.
'CRIANÇAS NÃO TÊM LIMITES'
Daniel Sampaio diz que 'as situações de agressividade dos filhos em relação aos pais, na parte final da adolescência, têm algum significado'. Para este especialista, 'as crianças crescem sem limites', dado que 'os pais, neste momento, têm dificuldade em manejar a disciplina'. E alerta para o facto de ser 'preciso impor limites e ajudar as crianças a escolher alternativas'.
ESCOLAS COM MAIS ACTOS VIOLENTOS
O aumento da violência dos mais jovens não é apenas visível em relação aos pais. Em 2007 a APAV registou uma subida nas queixas de agressões na escola, com o número de casos a atingir os 39 – um acréscimo de nove casos face aos registados em 2006.
Desse total de 39 agressões na escola destacam-se 12 entre colegas, quatro a conhecidos, dois a ex-namoradas. Segundo Elsa Beja, da APAV, este aumento do número de casos de agressões nas escolas explica-se em parte pela maior noção por parte das pessoas de que este tipo de situações é considerada crime'.
Os dados da APAV deixam claro que a maior taxa de crescimento das agressões aos pais ocorreu entre os filhos com idades compreendidas entre os 36 e os 45 anos, mas os adolescentes e os jovens adultos agridem também cada vez mais os progenitores. Em 2007 as agressões aos pais aumentaram 40 por cento nos filhos com idades entre 36 e 45; 32 por cento no universo dos filhos com idades entre os 18 e 25 e 23 por cento entre os filhos com idade até aos 17 anos. Por norma a APAV tem dificuldade em identificar o tipo de agressões praticadas, mas Elsa Beja, especialista desta Associação, diz que regra geral são 'maus tratos físicos e psicológicos'. Em concreto, 'a violência física vai de tareias a coisas menores como o empurrão ou o pontapé e os maus tratos psíquicos passam por chamar nomes e destruir a auto-estima dos pais', precisa. Elsa Beja garante que 'as agressões de filhos a pais é um fenómeno transversal: não escolhe sexo, idade, estrato social'. E garante que esta realidade 'atinge também as classes mais altas'.
Com as estatísticas a indicarem um crescimento da taxa de agressividades dos adolescentes face aos pais, os especialistas explicam este comportamento com o 'aumento do individualismo', na síntese de Ana Vasconcelos. Para esta especialista em pedopsiquiatria, 'os casais deixam de ter muitas vezes a preocupação em transmitir valores aos filhos'.
DISCURSO DIRECTO:
'É PRECISO ASSUMIR PROBLEMA DA VIOLÊNCIA',
Joana Marques Vidal, presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
Que razões explicam o aumento das agressões de filhos menores aos pais?
Joana Marques Vidal – Verifica-se de facto um aumento de casos sinalizados, quer nos gabinetes da APAV quer nas estatísticas oficiais das entidades policiais e dos tribunais. Não se sabe no entanto se esse aumento corresponde à existência de um maior número de casos ou se é reflexo de uma maior consciência sobre esta realidade.
– O fenómeno pode ser mais grave ainda?
– Pensamos que sim. Não é fácil um pai ou uma mãe reconhecer que o seu filho é capaz de ter comportamentos daqueles. E ainda é mais difícil assumir a possibilidade de se queixarem à polícia e aos tribunais.
– Os pais demitiram-se da sua responsabilidade?
– Nunca, como agora, se apelou tanto às responsabilidades dos pais. De certa forma nunca estes as assumiram tão claramente. O afecto e a compreensão são confundidos com a permissividade e ausência de imposição de limites. A recusa, justa, do autoritarismo, com falta de autoridade.
– Como se pode mudar esta situação?
– Assumir o problema da violência em geral e da violência dos filhos contra os pais como uma verdadeira questão de cidadania é fundamental. É imprescindível promover e incentivar o estudo científico e académico desta realidade.
'CRIANÇAS NÃO TÊM LIMITES'
Daniel Sampaio diz que 'as situações de agressividade dos filhos em relação aos pais, na parte final da adolescência, têm algum significado'. Para este especialista, 'as crianças crescem sem limites', dado que 'os pais, neste momento, têm dificuldade em manejar a disciplina'. E alerta para o facto de ser 'preciso impor limites e ajudar as crianças a escolher alternativas'.
ESCOLAS COM MAIS ACTOS VIOLENTOS
O aumento da violência dos mais jovens não é apenas visível em relação aos pais. Em 2007 a APAV registou uma subida nas queixas de agressões na escola, com o número de casos a atingir os 39 – um acréscimo de nove casos face aos registados em 2006.
Desse total de 39 agressões na escola destacam-se 12 entre colegas, quatro a conhecidos, dois a ex-namoradas. Segundo Elsa Beja, da APAV, este aumento do número de casos de agressões nas escolas explica-se em parte pela maior noção por parte das pessoas de que este tipo de situações é considerada crime'.
Apesar de os números da PSP revelarem que são mais os casos de violência de filhos contra pais do que de pais contra filhos, a realidade pode ser bem diferente.
A psicóloga Manuela Parente explica que os pais se queixam e os filhos não. Além de que ainda é visto como natural os pais baterem nos filhos. Situação que tem inclusive a compreensão de vizinhos e conhecidos.
Apesar disso, os dados oficiais revelam que entre 2000 e 2006 deram entrada 392 participações que correspondem a maus tratos de filhos contra pai, mãe, padrasto ou madrasta.
Enquanto que apenas 295 participações se referiam a violência de pais contra filhos.
Para a psicóloga Manuela Parente, os números são pouco representativos da realidade, porque bater nos filhos "culturalmente é tão aceite que são poucas as pessoas que apresentam queixa à polícia".
Considera que não é, por isso, um dado fidedigno dizer que há mais filhos a bater nos pais, do que pais a bater nos filhos. O que há é mais pais a participarem dos filhos do que filhos a participarem dos pais. Até porque "as crianças de tenra idade não participam à PSP que os pais lhes batem, ao contrário do que fazem os adultos", explicou.
Manuela Parente refere que existem vários factores que podem levar a este tipo de comportamentos, um deles é o modelo de comportamento familiar. "Levaram enquanto não podiam levantar a mão, mas depois, quando podem levantá-la, sentem-se mais fortes e aqueles que batiam passam a ser as vítimas". É o fenómeno da continuidade de comportamentos, pois foi assim que cresceram e aprenderam.
A psicóloga salienta que existem muitas famílias 'batidas', onde os elementos se batem uns aos outros. Por isso, as crianças, à medida que crescem e se tornam adultas, ficam mais fortes e tornam-se num potencial agressor.
Os erros de educação nos primeiros anos de vida são cruciais e pagam-se posteriormente. Se a criança foi habituada a ser educada à pancada, provavelmente quando tiver 17 anos e ficar mais corpulenta e os pais mais frágeis vai recorrer à violência para resolver os problemas com os pais e com os outros.
Se nunca houve regras e limites em casa e se o jovem sempre fez o que quis desde que nasceu até à idade da força, "é natural que recorra à violência". O que acontece é que este tipo de violência é quase como a violência entre casais. Se a primeira estalada for aceite, outras mais virão. Se o primeiro acto de violência física for logo referenciado ou com base numa atitude de limite a não continuar mais, "em princípio a agressão não se repetirá", salientou. Uma outra explicação está relacionada com a dificuldade em colocar limites ao longo da vida durante os processos de educação. Estas dificuldades existem em muitas famílias sobretudo nas famílias monoparentais, mães de filhos homens onde a não existência de limites torna tudo possível, até mesmo bater quando não se consegue aquilo que se quer. Contudo acredita que isso acontecerá mais em situações de filhos para as mães. "A questão da continuidade do modelo é aquilo que mais esclarece estas situações de violência", salientou.
Existe também uma geração de pais obedientes e mais submissos, aqueles que começaram por achar que educação é permitir tudo sem limites e sem regras. No seu entender uma educação deve ter muito afecto, mas também "limites mais que suficientes" para orientar a vida dos jovens em crescimento. "Eles próprios não têm em determinadas etapas do seu desenvolvimento as competências internas naturais para se auto-regularem" e para se conterem relativamente a alguns comportamentos e se os adultos não fizerem esse papel, "eles não fazem sozinhos e tudo se altera".
A violência não se trava apenas a dizer não aos filhos, mas também para questões mais alargadas. O facto de ser filho único não contribui para este factor, mas sim a ausência das regras do saber estar e viver em família, falta de princípios e a inexistência de valores e dos maus exemplos que tiveram ao longo da vida.
Manuela Parente destaca que a violência não ocorre só no seio de famílias problemáticas e carenciadas. Existe nos vários níveis socioculturais. O que acontece é que nas famílias com problemas com o Álcool + , a Toxicodependência + é mais evidente porque tudo é mais exposto, "mas à porta fechada a Violência doméstica + acontece".
Já não é uma questão de abrangência existencial dos meios sociais desfavorecidos, o que acontece é que "em muitos sítios é de porta aberta e noutros a porta é fechada para ninguém ver.
E tudo isto é possível porque muitas vezes "se vive da aparência".
Violência inata
Para a psicóloga Manuela Parente a agressividade existe desde que nascemos e faz parte do ser humano, mas o 'auge' revela-se quando o jovem tem força para bater, o que acontece normalmente na adolescência. "Um adolescente já está numa posição de igual para igual e às vezes de superior para inferior é sobretudo uma questão de igualdade de forças".
Para solucionar este fenómeno entende que deve haver sobretudo uma mudança de mentalidades. Uma atitude pedagógica por parte dos responsáveis por todas as áreas sociais, políticas, educacionais, saúde. "É preciso muita pedagogia no sentido de mudar mentalidades, é só por aí, porque não há nenhuma solução mágica, infelizmente".
A psicóloga Manuela Parente explica que os pais se queixam e os filhos não. Além de que ainda é visto como natural os pais baterem nos filhos. Situação que tem inclusive a compreensão de vizinhos e conhecidos.
Apesar disso, os dados oficiais revelam que entre 2000 e 2006 deram entrada 392 participações que correspondem a maus tratos de filhos contra pai, mãe, padrasto ou madrasta.
Enquanto que apenas 295 participações se referiam a violência de pais contra filhos.
Para a psicóloga Manuela Parente, os números são pouco representativos da realidade, porque bater nos filhos "culturalmente é tão aceite que são poucas as pessoas que apresentam queixa à polícia".
Considera que não é, por isso, um dado fidedigno dizer que há mais filhos a bater nos pais, do que pais a bater nos filhos. O que há é mais pais a participarem dos filhos do que filhos a participarem dos pais. Até porque "as crianças de tenra idade não participam à PSP que os pais lhes batem, ao contrário do que fazem os adultos", explicou.
Manuela Parente refere que existem vários factores que podem levar a este tipo de comportamentos, um deles é o modelo de comportamento familiar. "Levaram enquanto não podiam levantar a mão, mas depois, quando podem levantá-la, sentem-se mais fortes e aqueles que batiam passam a ser as vítimas". É o fenómeno da continuidade de comportamentos, pois foi assim que cresceram e aprenderam.
A psicóloga salienta que existem muitas famílias 'batidas', onde os elementos se batem uns aos outros. Por isso, as crianças, à medida que crescem e se tornam adultas, ficam mais fortes e tornam-se num potencial agressor.
Os erros de educação nos primeiros anos de vida são cruciais e pagam-se posteriormente. Se a criança foi habituada a ser educada à pancada, provavelmente quando tiver 17 anos e ficar mais corpulenta e os pais mais frágeis vai recorrer à violência para resolver os problemas com os pais e com os outros.
Se nunca houve regras e limites em casa e se o jovem sempre fez o que quis desde que nasceu até à idade da força, "é natural que recorra à violência". O que acontece é que este tipo de violência é quase como a violência entre casais. Se a primeira estalada for aceite, outras mais virão. Se o primeiro acto de violência física for logo referenciado ou com base numa atitude de limite a não continuar mais, "em princípio a agressão não se repetirá", salientou. Uma outra explicação está relacionada com a dificuldade em colocar limites ao longo da vida durante os processos de educação. Estas dificuldades existem em muitas famílias sobretudo nas famílias monoparentais, mães de filhos homens onde a não existência de limites torna tudo possível, até mesmo bater quando não se consegue aquilo que se quer. Contudo acredita que isso acontecerá mais em situações de filhos para as mães. "A questão da continuidade do modelo é aquilo que mais esclarece estas situações de violência", salientou.
Existe também uma geração de pais obedientes e mais submissos, aqueles que começaram por achar que educação é permitir tudo sem limites e sem regras. No seu entender uma educação deve ter muito afecto, mas também "limites mais que suficientes" para orientar a vida dos jovens em crescimento. "Eles próprios não têm em determinadas etapas do seu desenvolvimento as competências internas naturais para se auto-regularem" e para se conterem relativamente a alguns comportamentos e se os adultos não fizerem esse papel, "eles não fazem sozinhos e tudo se altera".
A violência não se trava apenas a dizer não aos filhos, mas também para questões mais alargadas. O facto de ser filho único não contribui para este factor, mas sim a ausência das regras do saber estar e viver em família, falta de princípios e a inexistência de valores e dos maus exemplos que tiveram ao longo da vida.
Manuela Parente destaca que a violência não ocorre só no seio de famílias problemáticas e carenciadas. Existe nos vários níveis socioculturais. O que acontece é que nas famílias com problemas com o Álcool + , a Toxicodependência + é mais evidente porque tudo é mais exposto, "mas à porta fechada a Violência doméstica + acontece".
Já não é uma questão de abrangência existencial dos meios sociais desfavorecidos, o que acontece é que "em muitos sítios é de porta aberta e noutros a porta é fechada para ninguém ver.
E tudo isto é possível porque muitas vezes "se vive da aparência".
Violência inata
Para a psicóloga Manuela Parente a agressividade existe desde que nascemos e faz parte do ser humano, mas o 'auge' revela-se quando o jovem tem força para bater, o que acontece normalmente na adolescência. "Um adolescente já está numa posição de igual para igual e às vezes de superior para inferior é sobretudo uma questão de igualdade de forças".
Para solucionar este fenómeno entende que deve haver sobretudo uma mudança de mentalidades. Uma atitude pedagógica por parte dos responsáveis por todas as áreas sociais, políticas, educacionais, saúde. "É preciso muita pedagogia no sentido de mudar mentalidades, é só por aí, porque não há nenhuma solução mágica, infelizmente".
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