"O art.º 5.º, n.º 2 do Código da Estrada - Eterno "Esquecido"
Autoria
Dr. António Ferreira Ramos, Advogado
Publicação
verbojuridico, Abril de 2006
É engraçado como este belo rectângulo à beira-mar plantado tem uma relação dúbia para com a Lei: por um lado, todos acham que todos a devem cumprir mas, por outro, todos fecham os olhos à Lei se, daí, resultar um qualquer provento económico. Depois criam-se estes institutos únicos que são as Leis em desuso, ou seja, Leis que, apesar de formalmente em vigor, ninguém as cumpre ou, quando as faz cumprir, é apenas para se aproveitar do facto de ninguém as cumprir.
Feito este intróito, chamamos a atenção de todos para o disposto no n.º 3 do artigo 5.º do Código da Estrada in fine.
Segundo este artigo (formalmente em vigor) "não podem ser colocados na via pública ou nas suas proximidades quadros, painéis, anúncios, cartazes, focos luminosos, inscrições ou outros meios de publicidade que possam (...) perturbar a atenção do condutor, prejudicando a segurança da condução".
E o art. 1.º do Regulamento de Sinalização e Trânsito, no seu n.º 3, dispõe que: "sobre os sinais de trânsito ou nas suas proximidades não podem ser colocados quadros, painéis, cartazes ou outros objectos que possam (...) perturbar a atenção do condutor."
Ora, não deixa de ser interessante como em Lisboa, proliferam painéis electrónicos junto a várias vias públicas (cruzamentos com semáforos inclusive) que passam publicidade com imagens, em tons de vermelho, claro está, cujo único propósito é chamar à atenção do condutor e restantes ocupantes do veículo, em violação clara do disposto nos artigos supra referidos. Isto já para não falar nos cartazes gigantescos colocados em edifícios que ficam, claro está, junto a vias públicas de grande tráfego.
Agora, como se não bastasse o que já existe, subitamente Lisboa viu-se "povoada" por um conjunto de "guitarras eléctricas" (bem engraçadas, por sinal) colocadas por um patrocinador de um festival rock que irá decorrer nesta cidade, as quais possuem umas mensagens a correr (em vermelho, claro está) a publicitar tal evento e respectivo patrocinador, e cujo único fim é, claro está, chamar à atenção dos condutores, em violação clara do disposto no n.º 3 do artigo 5.º do Código da Estrada.
Só esperamos que os organizadores do próximo Salão Erótico Internacional de Lisboa, que (segundo parece) irá decorrer novamente na FIL durante o corrente ano, não afinem pelo mesmo diapasão, pois, se assim for, estamos certos que o número de acidentes rodoviários iria aumentar substancialmente, em directa proporção com o interesse dos automobilistas pelos cartazes de tal evento.
Ora, não me iria admirar nada se a autarquia competente fechasse os olhos a tais ilegalidades mas, o pior é que, não só fecha os olhos a tais ilegalidades como autoriza a colocação e manutenção de tais materiais publicitários, recebendo avultadas verbas pela cedência de espaços públicos a fins publicitários, mesmo que tal licenciamento seja ilegal, por violação expressa do Código da Estrada.
De facto, temos este paradigma próprio de um país de terceiro mundo (ou será quarto?): a mesma entidade que cria empresas para controlar o respeito dos automobilistas pelo tempo em que estes têm o carro estacionado, de acordo com o disposto no art. 71.º/1/d) do Código da Estrada, é também a mesma entidade que ignora, por completo, o disposto no n.º 3 do mesmo Código, por tal "ignorância" lhe trazer elevados proventos financeiros. Neste caso, a segurança rodoviária de todos dá lugar aos interesses económicos próprios de autarquias que gastam mais do que aquilo que devidamente podem cobrar.
Aliás, pergunta-se: será que nenhum agente da autoridade de Lisboa conhece o disposto no n.º 3 do artigo 5.º do Código da Estrada e levanta autos de tais contra-ordenações à vista de todos? Ou será que nunca nenhum agente da autoridade, em toda a cidade de Lisboa, reparou em tais painéis publicitários?
Desde já, admitimos que o nosso Código da Estrada, com a redacção que o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro lhe deu, seja diferente daquele que vigora, quer para a autarquia de Lisboa, quer para todos os agentes da autoridade que nesta cidade trabalham. Se esse for o caso, adiantamos, desde já, as nossas mais sinceras desculpas. Se não for o caso, a todos dou uma sugestão: que tal, para começar, uma "contra-ordenaçãozinha" para os exploradores daquele monitor gigantesco que está no fim do Viaduto Eduardo Pacheco... Ou será que ninguém de direito conseguiu "reparar" em tal "monitorzinho"?
Claro que se levantarem tais contra-ordenações, as empresas irão (e bem) escudar-se nas licenças concedidas pelo Município. Mas, se tais licenças violam (claramente) uma norma estradal, não estão enfermas de um vício que implica a sua nulidade?
De facto, este é o país que temos, fiel seguidor do Princípio da Legalidade orwelliano.
Nada temos contra a publicidade, mas não podemos deixar de nos indignar, quando vemos entidades com responsabilidades na segurança rodoviária e detentoras de poder público para fazerem cumprir a Lei, fazerem tábua rasa de imperativos legais vinculativos em prol do vil metal. Péssimo exemplo a que, infelizmente, já estamos habituados... Prova disso é o facto de muitos de nós vermos tais cartazes e ninguém exigir o cumprimento da Legalidade. É este o nosso Estado de Direito.
O Advogado,
António Ferreira Ramos
P.S. - Já alguém pensou no tipo de contestação apresentada pelo Município se um particular, vítima de distracção por um desses cartazes, viesse intentar uma acção de responsabilidade civil contra a Câmara? Certamente iniciar-se-ia com uma excepção de incompetência (a culpa seria da empresa publicitária, claro está), da qual resultaria a incompetência do Tribunal Administrativo e assim por diante. Isto já para não falar na dificuldade de prova do nexo de causalidade adequada entre o cartaz publicitário e o acidente do particular. Aqui, como em tantos casos, a culpa morreria solteira...."
Fonte: http://verbojuridico.net/
Para reflexão...
Autoria
Dr. António Ferreira Ramos, Advogado
Publicação
verbojuridico, Abril de 2006
É engraçado como este belo rectângulo à beira-mar plantado tem uma relação dúbia para com a Lei: por um lado, todos acham que todos a devem cumprir mas, por outro, todos fecham os olhos à Lei se, daí, resultar um qualquer provento económico. Depois criam-se estes institutos únicos que são as Leis em desuso, ou seja, Leis que, apesar de formalmente em vigor, ninguém as cumpre ou, quando as faz cumprir, é apenas para se aproveitar do facto de ninguém as cumprir.
Feito este intróito, chamamos a atenção de todos para o disposto no n.º 3 do artigo 5.º do Código da Estrada in fine.
Segundo este artigo (formalmente em vigor) "não podem ser colocados na via pública ou nas suas proximidades quadros, painéis, anúncios, cartazes, focos luminosos, inscrições ou outros meios de publicidade que possam (...) perturbar a atenção do condutor, prejudicando a segurança da condução".
E o art. 1.º do Regulamento de Sinalização e Trânsito, no seu n.º 3, dispõe que: "sobre os sinais de trânsito ou nas suas proximidades não podem ser colocados quadros, painéis, cartazes ou outros objectos que possam (...) perturbar a atenção do condutor."
Ora, não deixa de ser interessante como em Lisboa, proliferam painéis electrónicos junto a várias vias públicas (cruzamentos com semáforos inclusive) que passam publicidade com imagens, em tons de vermelho, claro está, cujo único propósito é chamar à atenção do condutor e restantes ocupantes do veículo, em violação clara do disposto nos artigos supra referidos. Isto já para não falar nos cartazes gigantescos colocados em edifícios que ficam, claro está, junto a vias públicas de grande tráfego.
Agora, como se não bastasse o que já existe, subitamente Lisboa viu-se "povoada" por um conjunto de "guitarras eléctricas" (bem engraçadas, por sinal) colocadas por um patrocinador de um festival rock que irá decorrer nesta cidade, as quais possuem umas mensagens a correr (em vermelho, claro está) a publicitar tal evento e respectivo patrocinador, e cujo único fim é, claro está, chamar à atenção dos condutores, em violação clara do disposto no n.º 3 do artigo 5.º do Código da Estrada.
Só esperamos que os organizadores do próximo Salão Erótico Internacional de Lisboa, que (segundo parece) irá decorrer novamente na FIL durante o corrente ano, não afinem pelo mesmo diapasão, pois, se assim for, estamos certos que o número de acidentes rodoviários iria aumentar substancialmente, em directa proporção com o interesse dos automobilistas pelos cartazes de tal evento.
Ora, não me iria admirar nada se a autarquia competente fechasse os olhos a tais ilegalidades mas, o pior é que, não só fecha os olhos a tais ilegalidades como autoriza a colocação e manutenção de tais materiais publicitários, recebendo avultadas verbas pela cedência de espaços públicos a fins publicitários, mesmo que tal licenciamento seja ilegal, por violação expressa do Código da Estrada.
De facto, temos este paradigma próprio de um país de terceiro mundo (ou será quarto?): a mesma entidade que cria empresas para controlar o respeito dos automobilistas pelo tempo em que estes têm o carro estacionado, de acordo com o disposto no art. 71.º/1/d) do Código da Estrada, é também a mesma entidade que ignora, por completo, o disposto no n.º 3 do mesmo Código, por tal "ignorância" lhe trazer elevados proventos financeiros. Neste caso, a segurança rodoviária de todos dá lugar aos interesses económicos próprios de autarquias que gastam mais do que aquilo que devidamente podem cobrar.
Aliás, pergunta-se: será que nenhum agente da autoridade de Lisboa conhece o disposto no n.º 3 do artigo 5.º do Código da Estrada e levanta autos de tais contra-ordenações à vista de todos? Ou será que nunca nenhum agente da autoridade, em toda a cidade de Lisboa, reparou em tais painéis publicitários?
Desde já, admitimos que o nosso Código da Estrada, com a redacção que o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro lhe deu, seja diferente daquele que vigora, quer para a autarquia de Lisboa, quer para todos os agentes da autoridade que nesta cidade trabalham. Se esse for o caso, adiantamos, desde já, as nossas mais sinceras desculpas. Se não for o caso, a todos dou uma sugestão: que tal, para começar, uma "contra-ordenaçãozinha" para os exploradores daquele monitor gigantesco que está no fim do Viaduto Eduardo Pacheco... Ou será que ninguém de direito conseguiu "reparar" em tal "monitorzinho"?
Claro que se levantarem tais contra-ordenações, as empresas irão (e bem) escudar-se nas licenças concedidas pelo Município. Mas, se tais licenças violam (claramente) uma norma estradal, não estão enfermas de um vício que implica a sua nulidade?
De facto, este é o país que temos, fiel seguidor do Princípio da Legalidade orwelliano.
Nada temos contra a publicidade, mas não podemos deixar de nos indignar, quando vemos entidades com responsabilidades na segurança rodoviária e detentoras de poder público para fazerem cumprir a Lei, fazerem tábua rasa de imperativos legais vinculativos em prol do vil metal. Péssimo exemplo a que, infelizmente, já estamos habituados... Prova disso é o facto de muitos de nós vermos tais cartazes e ninguém exigir o cumprimento da Legalidade. É este o nosso Estado de Direito.
O Advogado,
António Ferreira Ramos
P.S. - Já alguém pensou no tipo de contestação apresentada pelo Município se um particular, vítima de distracção por um desses cartazes, viesse intentar uma acção de responsabilidade civil contra a Câmara? Certamente iniciar-se-ia com uma excepção de incompetência (a culpa seria da empresa publicitária, claro está), da qual resultaria a incompetência do Tribunal Administrativo e assim por diante. Isto já para não falar na dificuldade de prova do nexo de causalidade adequada entre o cartaz publicitário e o acidente do particular. Aqui, como em tantos casos, a culpa morreria solteira...."
Fonte: http://verbojuridico.net/
Para reflexão...
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