Correio da Manhã
O Governo está a fazer chantagem política"
Economista, professor, católico e nem um pouco politicamente correcto. João César das Neves diz o que pensa e seja o que Deus quiser.
Pode a crise económica conduzir à ruptura social em Portugal?
É possível, está a acontecer na Grécia, mas não é provável. Perante um choque destes, há países que se levantam em revoluções; os portugueses, normalmente, não. Têm até uma atitude de seriedade que os leva, por exemplo, a aceitar salários em atraso. Estão disponíveis para trabalhar quase de graça para não perder o emprego. Esta flexibilidade natural pode levar a um ajustamento mais rápido.
Como avalia as medidas do Governo para combater a crise – grandes obras públicas, aumento do défice,...?
Há aqui uma ambiguidade. Devíamos ter cuidado com o défice mas não podemos porque temos de estimular a economia e portanto temos de gastar dinheiro... O Governo tem feito algumas coisas mas muito poucas e desorientadas. As obras públicas não vão resolver o problema da crise, a maior parte delas é a longo prazo e nem sequer se justifica. O TGV e o aeroporto já eram difíceis de justificar antes e agora são loucas. Concordo com algumas medidas de apoio às famílias, mas tenho medo porque a finalidade não é combater a crise mas ganhar as eleições.
Que outras medidas sugere?
O congelamento ou até uma descida de salários, embora, em ano eleitoral, seja praticamente impossível explicar aos professores, polícias, diplomatas – sectores de emprego protegido – que os salários não podem subir ou têm que descer porque são pagos por impostos e a economia está em crise. E eles ainda acham que recebem pouco e querem receber mais.
Quem antes queria o Estado fora da Economia, agora pede ajuda do Estado. Não é um paradoxo?
Qualquer sociedade a funcionar resulta do equilíbrio entre os agentes económicos, a autoridade do Estado e a cultura. O liberalismo de não haver Estado ou o absolutismo de um Estado que controla tudo nunca funcionaram. A intervenção do Estado não é socialismo, comunismo ou keynesianismo. Os liberais sérios sabem que, quando há um colapso financeiro, o Estado tem de intervir mas há um perigo enorme de abuso. Vários dos abusos dos últimos anos foram causados pelo excesso de liberalismo – achava-se que o Estado não tinha de intervir e a falta de regulamentação levou ao colapso. Agora temos o perigo contrário, de que o Estado tome demasiado poder.
Parece-lhe que isso já está acontecer?
É evidente. O Governo está a fazer chantagem política sobre empresários, comunicação social, Igreja e uma data de grupos sociais que estão na mão dele. O Governo atingiu uma dimensão esmagadora – controla metade do produto nacional – e pode aproveitar isso para se afirmar politicamente. Temos a democracia em risco. O risco não vem pelo lado dos partidos extremistas mas pelo lado corporativo, do Governo e de alguns interesses instalados à volta do Orçamento que podem sugar o País. Este Governo abusou da situação, teve maioria absoluta, abusou dela e neste momento está a comprar votos de uma maneira escandalosa.
Teme que o Estado não se retire uma vez reposto o equilíbrio?
Os ministros acham todos que sabem tudo sobre tudo, sabem gerir os bancos, os mercados, sabem que empresas salvar... O problema é que não sabem, se soubessem não eram ministros, eram empresários, estavam a ganhar o seu dinheiro e não precisavam de ir para a política.
Se o PS ganhar as eleições já fez saber que vai aprovar o casamento entre homossexuais. O que pensa disso?
É uma pouca-vergonha política e serve apenas para desviar as atenções, atacar a Igreja e polir os emblemas ideológicos do PS. Infelizmente, vai atacar a família quando já é evidente que o aumento dos novos pobres tem a ver com a facilitação do divórcio. O casamento homossexual é uma coisa menor, não temos muitos homossexuais, o impacto directo é mínimo.
A questão do casamento homossexual é puramente instrumental?
O que se passa é que o Estado não regulamenta o amor... Se fizesse um contrato para todos os casos de amor ou de amizade teria de fazer dezenas e dezenas de contratos. Se o Estado fez um contrato de casamento entre um homem e uma mulher que constituem família é por causa dos impactos sociais decisivos – a família é a célula-base da sociedade. Porque razão há-de a relação homossexual ter um contrato e a de um tio e um sobrinho que vivam juntos não? É para atingir a família, pela mesma razão que se reduziu o contrato de casamento a papel de rascunho. É ridículo que agora seja muito importante casar quando antes era muito importante não casar... é mais fácil um tipo despedir a mulher do que despedir a criada. É mais fácil uma mulher despedir o marido do que despedir o jardineiro... E é preciso ver que há seis países no Mundo que permitem o casamento entre homossexuais, não é uma coisa normal, comum.
Tem algum problema com os homossexuais?
Nenhum. Nunca tive. Tenho vários amigos homossexuais. Limitei-me a escrever dois ou três artigos na altura do caso ‘Casa Pia’ , quando a homossexualidade estava no dia-a-dia, onde, aliás, disse explicitamente que devem condenar-se os erros e amar as pessoas. Eu tenho direito a ter opiniões, com respeito pelas pessoas. Essas pessoas levaram-me a tribunal e escreveram sobre mim coisas que fazem corar qualquer um. Fizeram uma destruição da minha imagem quando eu só falei em abstracto sobre homossexualidade e alguns têm a lata de me mandar coisas abstrusas. A minha mulher fica horrorizada, eu até acho graça. Difamação é isto – atacar uma pessoa.
Transformou-se num símbolo, de maneira que se diz que determinada opinião é ‘à César das Neves’...
Transformei-me num símbolo por decisão de um grupo. Sou a única pessoa no Planeta que foi a tribunal por declarações homofóbicas. Fui absolvido. Isso tornou--me especialista em homossexuais, que nunca fui, embora andem a dizer que sou e atribuem-me as coisas mais extraordinárias. Não tenho tempo para ler blogues, mas a maior parte das coisas que, tenho ouvido, me atribuem eu não disse.
Disse que, aprovada a despenalização, o aborto seria tão banal como ter um telemóvel?
Isso deu-me grande notoriedade mas o que eu disse foi uma coisa completamente objectiva: analisei os números do aborto nos países onde tinha sido despenalizado e encontrei uma taxa de crescimento só comparável, para um economista, ao lançamento de um produto novo, por exemplo, telemóveis. É um dado objectivo.
O aborto tornou-se assim tão banal?
Em Portugal aconteceu o mesmo que aconteceu nos países em que o aborto foi despenalizado: uma explosão de abortos que, aliás, são, na esmagadora maioria, contraceptivos. O Governo e as forças pró-abortistas conseguiram ganhar o segundo referendo do aborto com uma fraude. No primeiro referendo discutiu-se o aborto, no segundo discutiu-se mulheres presas, coisa que não havia e nunca houve. Hoje há uma data de gente que está a encher os bolsos à custa disto, mulheres forçadas a fazer aborto pelos pais, namorados, irmãos. Os números mostraram exactamente o mesmo fenómeno que aconteceu com os telemóveis.
Em visita a África, o Papa ligou o uso do preservativo à propagação da sida. Qual é a sua opinião?
A maior parte das pessoas nem ouviu o que o Papa disse, que é muito fácil de explicar com uma comparação – o cinto de segurança faz com que as pessoas se sintam mais seguras e assim circulam a maior velocidade; por isso nenhum país do Mundo exige cintos de segurança sem impor limites de velocidade. Já com o preservativo o que se diz é: ‘use o preservativo e acelere à vontade’ e vai gerar sida porque o que está na origem da sida não é o preservativo, são as relações perigosas.
O que deve fazer-se para prevenir?
O que a Igreja diz é ‘não tenha relações perigosas; se vive na castidade e na fidelidade conjugal não há sida, se vai violar os princípios da Igreja, fazendo adultério, indo aos prostíbulos, fazendo actos homossexuais que violam a Lei da Igreja, nesse caso use o preservativo’; nesse caso o Papa não tem problema pois já está a fazer um pecado horrível. O que é extraordinário são estes médicos e políticos que acham que a cura para a sida é o preservativo, que é como dizer ‘ponha o cinto de segurança e agora acelere à vontade’. Estes tipos não pensam, estes tipos marram.
'SE A MIM ME TRATAREM MAL NÃO É GRAVE'
Não sente que está sempre a remar contra a maré?
Ao meu chefe [Jesus Cristo] crucificaram-no e a maré era maior naquela altura. Se a mim me tratarem mal não é grave. As pessoas que, ao longo dos séculos, admiramos não são aquelas que foram com a maré, são aquelas que fizeram uma barreira para proteger o que era importante. O que é espantoso é que aquilo que eu digo é aquilo que a maioria das pessoas em Portugal pensa.
PERFIL
João César das Neves nasceu em 1957. Licenciou-se e doutorou-se em Economia e é catedrático da Universidade Católica. Entre 1991 e 95 desempenhou o cargo de assessor económico do primeiro-ministro Cavaco Silva. Antes, assessorou o ministro das Finanças. É casado e pai de quatro filhos.
O Governo está a fazer chantagem política"
Economista, professor, católico e nem um pouco politicamente correcto. João César das Neves diz o que pensa e seja o que Deus quiser.
Pode a crise económica conduzir à ruptura social em Portugal?
É possível, está a acontecer na Grécia, mas não é provável. Perante um choque destes, há países que se levantam em revoluções; os portugueses, normalmente, não. Têm até uma atitude de seriedade que os leva, por exemplo, a aceitar salários em atraso. Estão disponíveis para trabalhar quase de graça para não perder o emprego. Esta flexibilidade natural pode levar a um ajustamento mais rápido.
Como avalia as medidas do Governo para combater a crise – grandes obras públicas, aumento do défice,...?
Há aqui uma ambiguidade. Devíamos ter cuidado com o défice mas não podemos porque temos de estimular a economia e portanto temos de gastar dinheiro... O Governo tem feito algumas coisas mas muito poucas e desorientadas. As obras públicas não vão resolver o problema da crise, a maior parte delas é a longo prazo e nem sequer se justifica. O TGV e o aeroporto já eram difíceis de justificar antes e agora são loucas. Concordo com algumas medidas de apoio às famílias, mas tenho medo porque a finalidade não é combater a crise mas ganhar as eleições.
Que outras medidas sugere?
O congelamento ou até uma descida de salários, embora, em ano eleitoral, seja praticamente impossível explicar aos professores, polícias, diplomatas – sectores de emprego protegido – que os salários não podem subir ou têm que descer porque são pagos por impostos e a economia está em crise. E eles ainda acham que recebem pouco e querem receber mais.
Quem antes queria o Estado fora da Economia, agora pede ajuda do Estado. Não é um paradoxo?
Qualquer sociedade a funcionar resulta do equilíbrio entre os agentes económicos, a autoridade do Estado e a cultura. O liberalismo de não haver Estado ou o absolutismo de um Estado que controla tudo nunca funcionaram. A intervenção do Estado não é socialismo, comunismo ou keynesianismo. Os liberais sérios sabem que, quando há um colapso financeiro, o Estado tem de intervir mas há um perigo enorme de abuso. Vários dos abusos dos últimos anos foram causados pelo excesso de liberalismo – achava-se que o Estado não tinha de intervir e a falta de regulamentação levou ao colapso. Agora temos o perigo contrário, de que o Estado tome demasiado poder.
Parece-lhe que isso já está acontecer?
É evidente. O Governo está a fazer chantagem política sobre empresários, comunicação social, Igreja e uma data de grupos sociais que estão na mão dele. O Governo atingiu uma dimensão esmagadora – controla metade do produto nacional – e pode aproveitar isso para se afirmar politicamente. Temos a democracia em risco. O risco não vem pelo lado dos partidos extremistas mas pelo lado corporativo, do Governo e de alguns interesses instalados à volta do Orçamento que podem sugar o País. Este Governo abusou da situação, teve maioria absoluta, abusou dela e neste momento está a comprar votos de uma maneira escandalosa.
Teme que o Estado não se retire uma vez reposto o equilíbrio?
Os ministros acham todos que sabem tudo sobre tudo, sabem gerir os bancos, os mercados, sabem que empresas salvar... O problema é que não sabem, se soubessem não eram ministros, eram empresários, estavam a ganhar o seu dinheiro e não precisavam de ir para a política.
Se o PS ganhar as eleições já fez saber que vai aprovar o casamento entre homossexuais. O que pensa disso?
É uma pouca-vergonha política e serve apenas para desviar as atenções, atacar a Igreja e polir os emblemas ideológicos do PS. Infelizmente, vai atacar a família quando já é evidente que o aumento dos novos pobres tem a ver com a facilitação do divórcio. O casamento homossexual é uma coisa menor, não temos muitos homossexuais, o impacto directo é mínimo.
A questão do casamento homossexual é puramente instrumental?
O que se passa é que o Estado não regulamenta o amor... Se fizesse um contrato para todos os casos de amor ou de amizade teria de fazer dezenas e dezenas de contratos. Se o Estado fez um contrato de casamento entre um homem e uma mulher que constituem família é por causa dos impactos sociais decisivos – a família é a célula-base da sociedade. Porque razão há-de a relação homossexual ter um contrato e a de um tio e um sobrinho que vivam juntos não? É para atingir a família, pela mesma razão que se reduziu o contrato de casamento a papel de rascunho. É ridículo que agora seja muito importante casar quando antes era muito importante não casar... é mais fácil um tipo despedir a mulher do que despedir a criada. É mais fácil uma mulher despedir o marido do que despedir o jardineiro... E é preciso ver que há seis países no Mundo que permitem o casamento entre homossexuais, não é uma coisa normal, comum.
Tem algum problema com os homossexuais?
Nenhum. Nunca tive. Tenho vários amigos homossexuais. Limitei-me a escrever dois ou três artigos na altura do caso ‘Casa Pia’ , quando a homossexualidade estava no dia-a-dia, onde, aliás, disse explicitamente que devem condenar-se os erros e amar as pessoas. Eu tenho direito a ter opiniões, com respeito pelas pessoas. Essas pessoas levaram-me a tribunal e escreveram sobre mim coisas que fazem corar qualquer um. Fizeram uma destruição da minha imagem quando eu só falei em abstracto sobre homossexualidade e alguns têm a lata de me mandar coisas abstrusas. A minha mulher fica horrorizada, eu até acho graça. Difamação é isto – atacar uma pessoa.
Transformou-se num símbolo, de maneira que se diz que determinada opinião é ‘à César das Neves’...
Transformei-me num símbolo por decisão de um grupo. Sou a única pessoa no Planeta que foi a tribunal por declarações homofóbicas. Fui absolvido. Isso tornou--me especialista em homossexuais, que nunca fui, embora andem a dizer que sou e atribuem-me as coisas mais extraordinárias. Não tenho tempo para ler blogues, mas a maior parte das coisas que, tenho ouvido, me atribuem eu não disse.
Disse que, aprovada a despenalização, o aborto seria tão banal como ter um telemóvel?
Isso deu-me grande notoriedade mas o que eu disse foi uma coisa completamente objectiva: analisei os números do aborto nos países onde tinha sido despenalizado e encontrei uma taxa de crescimento só comparável, para um economista, ao lançamento de um produto novo, por exemplo, telemóveis. É um dado objectivo.
O aborto tornou-se assim tão banal?
Em Portugal aconteceu o mesmo que aconteceu nos países em que o aborto foi despenalizado: uma explosão de abortos que, aliás, são, na esmagadora maioria, contraceptivos. O Governo e as forças pró-abortistas conseguiram ganhar o segundo referendo do aborto com uma fraude. No primeiro referendo discutiu-se o aborto, no segundo discutiu-se mulheres presas, coisa que não havia e nunca houve. Hoje há uma data de gente que está a encher os bolsos à custa disto, mulheres forçadas a fazer aborto pelos pais, namorados, irmãos. Os números mostraram exactamente o mesmo fenómeno que aconteceu com os telemóveis.
Em visita a África, o Papa ligou o uso do preservativo à propagação da sida. Qual é a sua opinião?
A maior parte das pessoas nem ouviu o que o Papa disse, que é muito fácil de explicar com uma comparação – o cinto de segurança faz com que as pessoas se sintam mais seguras e assim circulam a maior velocidade; por isso nenhum país do Mundo exige cintos de segurança sem impor limites de velocidade. Já com o preservativo o que se diz é: ‘use o preservativo e acelere à vontade’ e vai gerar sida porque o que está na origem da sida não é o preservativo, são as relações perigosas.
O que deve fazer-se para prevenir?
O que a Igreja diz é ‘não tenha relações perigosas; se vive na castidade e na fidelidade conjugal não há sida, se vai violar os princípios da Igreja, fazendo adultério, indo aos prostíbulos, fazendo actos homossexuais que violam a Lei da Igreja, nesse caso use o preservativo’; nesse caso o Papa não tem problema pois já está a fazer um pecado horrível. O que é extraordinário são estes médicos e políticos que acham que a cura para a sida é o preservativo, que é como dizer ‘ponha o cinto de segurança e agora acelere à vontade’. Estes tipos não pensam, estes tipos marram.
'SE A MIM ME TRATAREM MAL NÃO É GRAVE'
Não sente que está sempre a remar contra a maré?
Ao meu chefe [Jesus Cristo] crucificaram-no e a maré era maior naquela altura. Se a mim me tratarem mal não é grave. As pessoas que, ao longo dos séculos, admiramos não são aquelas que foram com a maré, são aquelas que fizeram uma barreira para proteger o que era importante. O que é espantoso é que aquilo que eu digo é aquilo que a maioria das pessoas em Portugal pensa.
PERFIL
João César das Neves nasceu em 1957. Licenciou-se e doutorou-se em Economia e é catedrático da Universidade Católica. Entre 1991 e 95 desempenhou o cargo de assessor económico do primeiro-ministro Cavaco Silva. Antes, assessorou o ministro das Finanças. É casado e pai de quatro filhos.
Isabel Ramos
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