Procurei, e penso não existir nenhum tópico que aborde de forma tão directa e objectiva esta questão: com certeza que ninguém se atreve a pensar nisso seriamente com tão pouco tempo de governo de coligação e neste cenário em que a estabilidade política é absolutamente indispensável e novas eleições antecipadas se poderiam revelar catastróficas.
Edite Estrela dizia, há dias, que não tinha a certeza que este governo iria cumprir os 4 anos. Por muito irritante, petulante e adoradora de Sócrates que esta senhora possa ser, há mais pessoas a querer "agoirar" e a acenar com o fantasma da instabilidade política.
A análise que se segue está bastante completa e acho que é merecedora de ser aqui posta à discussão num tópico próprio, pois mexe em muitas questões delicadas de que muitos de nós porventura não nos apercebemos, quer por desconhecimento, quer por ingenuidade neste mundo muito traiçoeiro da política:
PSD e CDS. Um casamento de fachada que tem tudo para correr muito mal
Edite Estrela dizia, há dias, que não tinha a certeza que este governo iria cumprir os 4 anos. Por muito irritante, petulante e adoradora de Sócrates que esta senhora possa ser, há mais pessoas a querer "agoirar" e a acenar com o fantasma da instabilidade política.
A análise que se segue está bastante completa e acho que é merecedora de ser aqui posta à discussão num tópico próprio, pois mexe em muitas questões delicadas de que muitos de nós porventura não nos apercebemos, quer por desconhecimento, quer por ingenuidade neste mundo muito traiçoeiro da política:
PSD e CDS: Um casamento de fachada que tem tudo para correr muito mal
por Ana Sá Lopes, Publicado em 06 de Agosto de 2011
Paulo Portas sabe que a sua carreira política pode acabar com esta coligação. Mas já mostrou nestes 15 anos que é um sobrevivente e que os Negócios Estrangeiros podem estar à altura das suas necessidades. Pedro Passos Coelho, mais tenro nestas lides, faz o que pode, e muitas vezes não deve, para o controlar.
Desconfiança, medo, tensões medianamente controladas. O governo de coligação é um casamento de fachada, em que os protagonistas fingem o que podem em público - mas em privado, genuinamente, não se podem ver e praticam o bullying político nem sempre com a discrição devida.
Primeiro ponto, essencial: os sociais- -democratas desconfiam de Paulo Portas, que, politicamente, tem uma experiência muito mais larga que Passos Coelho. Desconfiam e têm medo: todos sabem que Portas não padece da ingenuidade que por vezes atinge o primeiro-ministro e é um sobrevivente. Para conter a força de Portas foram feitas as diligências possíveis, para evitar que o líder do CDS controlasse sozinho o Ministério dos Negócios Estrangeiros: a colocação de Francisco Ribeiro de Menezes, embaixador de carreira, no cargo de chefe de gabinete do primeiro-ministro (com imensa experiência da máquina ministerial, depois de ter dirigido os gabinetes de Jaime Gama e de Luís Amado) foi uma peça nesse damage control. A pasta do MNE é fortíssima por duas razões: genericamente, dá popularidade nas sondagens. Em tempos de crise, sem ter de lidar com os cortes da despesa nem com os problemas das corporações, como a dos médicos e a dos professores, é provável que dê ainda muito mais popularidade que aquela que é costume. Com a crise do euro, a pasta do MNE passou a ter uma importância desmedida - o risco de Passos Coelho ficar refém de Portas, e das informações de Portas, para gerir os Conselhos Europeus é considerado muito grande no PSD. Também aí a escolha de Ribeiro de Menezes teve um objectivo preventivo, segundo fontes do PSD.
A "vingança" de Passos Coelho contra o seu parceiro de coligação foi avocar uma das grandes tarefas do MNE: a diplomacia económica, que ficou, na orgânica do governo, na dependência do primeiro-ministro. E quem foi Passos Coelho buscar para fazer uma espécie de "programa do governo" na vertente diplomacia económica? Nada mais nada menos que um arqui-inimigo de Paulo Portas - um ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva, Jorge Braga de Macedo, que mantém um diferendo com Portas desde os tempos em que este era director de "O Independente" e denunciou a entrega de um subsídio do IFADAP, na altura gerido por Henrique Granadeiro, para jovem agricultor a uma propriedade da família do ministro, o Monte dos Frades. O jovem agricultor era um sobrinho de Braga de Macedo.
O ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva nos princípios dos anos 90, o tal que via um oásis quando o país estava em recessão, vingou-se agora na diplomacia económica do facto de Passos Coelho não ter vetado a ida para as Necessidades do seu inimigo. Mas fez tudo o que podia e não podia e foi o último a desistir na tentativa de dissuadir o líder do PSD de aceitar a imposição de Portas de ser ministro dos Negócios Estrangeiros.
O discurso de Paulo Portas na Madeira no fim-de-semana passado perturbou enormemente os sociais-democratas. A "liberdade" com que Portas se atirou a Alberto João Jardim - um "ícone" do PSD, apesar de distante de Passos Coelho - foi lido por alguns sociais-democratas como um sinal do "poder total" com que Portas se sente nesta coligação. Afrontar Jardim ao fim de um mês de governo é obra: no fundo, Paulo Portas, ao denunciar o "despesismo" da Madeira, impôs balizas à negociação do próximo Orçamento do Estado. Na Madeira, Paulo Portas comparou Jardim com Sócrates: "No país, os socialistas fizeram uma política de endividamento para lá do que era aceitável e aqui, na região da Madeira, os sociais-democratas fizeram uma política de endividamento que é também para lá do aceitável. E para sermos coerentes temos de propor aqui a mudança que também o país como um todo já percebeu. É que não é possível continuar a endividar mais um país ou uma região." Jardim respondeu à sua maneira habitual: disse que não conhecia Portas de lado nenhum. E Marcelo Rebelo de Sousa, um especialista em atirar gasolina para as fogueiras e velho inimigo do líder do CDS/PP, veio logo recordar que Paulo Portas, nos tempos da coligação com Durão Barroso, nunca ousou atirar-se a Alberto João Jardim ou criticar qualquer outro dirigente laranja.
Esta é a pior altura para qualquer partido estar no governo. O CDS enfrenta o mesmo dilema que os Lib-Dems no Reino Unido: associados aos conservadores e às suas políticas de austeridade, correm o risco de desaparecimento nas próximas eleições. Portas, o político no activo cujo instinto de sobrevivência mais se tem revelado nos últimos 15 anos, não quer que o CDS volte a ser o "partido do táxi", lugar onde ficou colocado a partir de 1987, depois de Cavaco Silva ter aglutinado toda a direita com as suas maiorias absolutas. Se Paulo Portas tivesse conseguido um resultado eleitoral mais forte, poderia ter capacidade negocial maior dentro da coligação. Mas isso não aconteceu - trata-se agora de gerir o dia--a-dia sabendo que na guerra e na política (e às vezes no amor) ou se mata ou se morre. A coligação governamental pode durar um ano ou três anos. Mas no fim entre Passos Coelho e Paulo Portas só sobrará um. E se Paulo Portas já percebeu isto há muito tempo, Passos Coelho está a começar a perceber.
por Ana Sá Lopes, Publicado em 06 de Agosto de 2011
Paulo Portas sabe que a sua carreira política pode acabar com esta coligação. Mas já mostrou nestes 15 anos que é um sobrevivente e que os Negócios Estrangeiros podem estar à altura das suas necessidades. Pedro Passos Coelho, mais tenro nestas lides, faz o que pode, e muitas vezes não deve, para o controlar.
Desconfiança, medo, tensões medianamente controladas. O governo de coligação é um casamento de fachada, em que os protagonistas fingem o que podem em público - mas em privado, genuinamente, não se podem ver e praticam o bullying político nem sempre com a discrição devida.
Primeiro ponto, essencial: os sociais- -democratas desconfiam de Paulo Portas, que, politicamente, tem uma experiência muito mais larga que Passos Coelho. Desconfiam e têm medo: todos sabem que Portas não padece da ingenuidade que por vezes atinge o primeiro-ministro e é um sobrevivente. Para conter a força de Portas foram feitas as diligências possíveis, para evitar que o líder do CDS controlasse sozinho o Ministério dos Negócios Estrangeiros: a colocação de Francisco Ribeiro de Menezes, embaixador de carreira, no cargo de chefe de gabinete do primeiro-ministro (com imensa experiência da máquina ministerial, depois de ter dirigido os gabinetes de Jaime Gama e de Luís Amado) foi uma peça nesse damage control. A pasta do MNE é fortíssima por duas razões: genericamente, dá popularidade nas sondagens. Em tempos de crise, sem ter de lidar com os cortes da despesa nem com os problemas das corporações, como a dos médicos e a dos professores, é provável que dê ainda muito mais popularidade que aquela que é costume. Com a crise do euro, a pasta do MNE passou a ter uma importância desmedida - o risco de Passos Coelho ficar refém de Portas, e das informações de Portas, para gerir os Conselhos Europeus é considerado muito grande no PSD. Também aí a escolha de Ribeiro de Menezes teve um objectivo preventivo, segundo fontes do PSD.
A "vingança" de Passos Coelho contra o seu parceiro de coligação foi avocar uma das grandes tarefas do MNE: a diplomacia económica, que ficou, na orgânica do governo, na dependência do primeiro-ministro. E quem foi Passos Coelho buscar para fazer uma espécie de "programa do governo" na vertente diplomacia económica? Nada mais nada menos que um arqui-inimigo de Paulo Portas - um ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva, Jorge Braga de Macedo, que mantém um diferendo com Portas desde os tempos em que este era director de "O Independente" e denunciou a entrega de um subsídio do IFADAP, na altura gerido por Henrique Granadeiro, para jovem agricultor a uma propriedade da família do ministro, o Monte dos Frades. O jovem agricultor era um sobrinho de Braga de Macedo.
O ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva nos princípios dos anos 90, o tal que via um oásis quando o país estava em recessão, vingou-se agora na diplomacia económica do facto de Passos Coelho não ter vetado a ida para as Necessidades do seu inimigo. Mas fez tudo o que podia e não podia e foi o último a desistir na tentativa de dissuadir o líder do PSD de aceitar a imposição de Portas de ser ministro dos Negócios Estrangeiros.
O discurso de Paulo Portas na Madeira no fim-de-semana passado perturbou enormemente os sociais-democratas. A "liberdade" com que Portas se atirou a Alberto João Jardim - um "ícone" do PSD, apesar de distante de Passos Coelho - foi lido por alguns sociais-democratas como um sinal do "poder total" com que Portas se sente nesta coligação. Afrontar Jardim ao fim de um mês de governo é obra: no fundo, Paulo Portas, ao denunciar o "despesismo" da Madeira, impôs balizas à negociação do próximo Orçamento do Estado. Na Madeira, Paulo Portas comparou Jardim com Sócrates: "No país, os socialistas fizeram uma política de endividamento para lá do que era aceitável e aqui, na região da Madeira, os sociais-democratas fizeram uma política de endividamento que é também para lá do aceitável. E para sermos coerentes temos de propor aqui a mudança que também o país como um todo já percebeu. É que não é possível continuar a endividar mais um país ou uma região." Jardim respondeu à sua maneira habitual: disse que não conhecia Portas de lado nenhum. E Marcelo Rebelo de Sousa, um especialista em atirar gasolina para as fogueiras e velho inimigo do líder do CDS/PP, veio logo recordar que Paulo Portas, nos tempos da coligação com Durão Barroso, nunca ousou atirar-se a Alberto João Jardim ou criticar qualquer outro dirigente laranja.
Esta é a pior altura para qualquer partido estar no governo. O CDS enfrenta o mesmo dilema que os Lib-Dems no Reino Unido: associados aos conservadores e às suas políticas de austeridade, correm o risco de desaparecimento nas próximas eleições. Portas, o político no activo cujo instinto de sobrevivência mais se tem revelado nos últimos 15 anos, não quer que o CDS volte a ser o "partido do táxi", lugar onde ficou colocado a partir de 1987, depois de Cavaco Silva ter aglutinado toda a direita com as suas maiorias absolutas. Se Paulo Portas tivesse conseguido um resultado eleitoral mais forte, poderia ter capacidade negocial maior dentro da coligação. Mas isso não aconteceu - trata-se agora de gerir o dia--a-dia sabendo que na guerra e na política (e às vezes no amor) ou se mata ou se morre. A coligação governamental pode durar um ano ou três anos. Mas no fim entre Passos Coelho e Paulo Portas só sobrará um. E se Paulo Portas já percebeu isto há muito tempo, Passos Coelho está a começar a perceber.
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