A renovada disputa marítima com as Filipinas, a participação americana no caso Chen Guangcheng e, principalmente, um vídeo viral (cenas fortes) de uma suposta tentativa de estupro de uma chinesa por um britânico estão inflamando sentimentos nacionalistas e xenófobos na China, um fênomeno cíclico. Nesta semana, o weibo (Twitter chinês) registrou milhares de comentários pedindo uma “limpeza” de estrangeiros pelo país.
Num cenário assim, o que esperar de uma personalidade como Yang Rui, 40, âncora de um programa chamado “Diálogo”, da poderosa rede estatal CCTV, transmitido em inglês e especializado em entrevistar estrangeiros?
Muita coisa, menos o que fez: jogar lenha na fogueira.
Nesta sexta-feira (18), Yang usou seu microblog para acusar estrangeiros de quase tudo: seduzir mulheres chinesas para espionar, tráfico humano, roubar dinheiro e trabalho dos chineses. Para piorar, ainda chamou de “puta estrangeira” a jornalista da Al Jazeera em inglês Melissa Chan, cidadã norte-americana recém-expulsa do país após cinco anos e várias reportagens fortes, como mostrar a existência de cadeias clandestinas.
Eis o post completo:
“O Escritório de Segurança Pública quer limpar o lixo estrangeiro: prender bandidos estrangeiros e proteger garotas inocentes. Eles precisam se concentrar nas zonas de desastre em Wudaokou [região estudantil] e em Sanlitun [área boêmia]. Cortem as cabeças de cobra estrangeiras. As pessoas que não podem encontrar empregos nos EUA e na Europa vêm à China agarrar nosso dinheiro, se envolver em tráfico humano e espalhar mentiras para incentivar a emigração. Espiões estrangeiros buscam meninas chinesas para mascarar sua espionagem e fingir ser turistas enquanto compilam mapas e informação de GPA para Japão, Coreia do Sul e o Ocidente. Nós chutamos pra fora aquela **** estrangeira e fechamos o escritório de Pequim da Al Jazeera. Deveríamos fechar todos os que demonizam a China e mandá-los empacotar.”
O mesmo jornalista que escreveu isso já entrevistou personalidades como os ex-presidentes Bill Clinton e Jimmy Carter. O canal onde trabalha, a CCTV em inglês, talvez seja o maior esforço do governo chinês para aumentar seu “soft power”.
Poderosa por ter o Estado atrás, a CCTV entrevista praticamente quem quer. Para inveja de muitos meios de comunicação brasileiros, já conseguiu duas exclusivas com a presidente Dilma Rousseff. No ano passado, o chanceler Antonio Patriota visitou as novas instalações da empresa em São Paulo, sua base para a América Latina.
Em uma frase que ficou famosa, Yang disse, em 2008: “Muitas vezes, eu recordo a mim mesmo de que não apenas estou falando por mim mesmo, sou o porta-voz para um país”. A pergunta que a CCTV ainda não respondeu é se o manterá nessa função. Caso fique, será bem mais difícil conseguir entrevistados.
PS: em fevereiro do ano passado, a CCTV me convidou a participar do programa de Yang para falar sobre as relações Brasil-China. (Bem) aconselhado por um colega, recusei.
Folha.com - Blogs - Âncora de TV estatal defende que China se livre de
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