Portugal sec XXI
Assim vamos longe com mentalidades como as exibidas na reportagem.
Eu pergunto-me como ainda é possivel existirem casos destes.
[:0] [8)]
Para quem viu a reportagem, vê-se uma paisagem paradisiaca uma calma de fazer inveja ... contudo a pobreza ... de espirito é marcante.
Rosa tem 16 anos acabados de fazer. Vive na Serra da Estrela, num dos Casais de Folgosinho, numa velha quinta arrendada pelo pai. O Casal da Maceira fica a 40 minutos, de jipe, de Folgosinho, uma pequena vila do concelho de Gouveia.
Rosa andou na escola de Folgosinho até aos 14 anos. Fez os 4 anos do primeiro ciclo em 8. Assim que completou a antiga quarta classe, os pais fizeram-na regressar ao vale da serra, transformando-a na principal, por ser a única, ajudante da família.
Os 8 anos de Rosa na escola foram, por isso, algo estratégicos. Tacitamente ter-se-á prolongado o tempo de permanência em nome da continuidade da ligação à escola.
Os pais, pela voz da mãe, há muito que definiram um princípio: "Se o mais velho (Raul de 32 anos) não quis continuar a estudar depois da quarta classe, os outros (Sandra, em parte incerta e com cerca de 20 anos, Rosa 16, Zé a completar 14 e a escassos 5 meses de deixar para sempre a escola) também não hão-de continuar".
Definido o princípio, os filhos de Maria e de Manuel, puderam, portanto, completar o primeiro ciclo, por ser em Folgosinho, mas não tiveram ordem de passar para o segundo ciclo, em Gouveia.
Sandra conformou-se, encontrando outras formas de matar o tempo; Zé conformar-se-á, uma vez que o silêncio apático que lhe molda a personalidade não o irá deixar mover montanhas para perseguir um sonho; Rosa, menina do alto da serra, brava como as pedras, esforça-se por destruir o edifício de argumentos erguido pelos pais.
Há semanas fugiu do casal de bicicleta e passou uns dias em Folgosinho, numa casa que os pais construíram na terra a pensar na velhice.
Escassos dias antes dos 16 anos, apanhou boleia no táxi, que, diariamente, transporta o irmão para a escola de Folgosinho, e foi a Gouveia, falar com a presidente do Conselho Executivo da escola. Pediu-lhe para ser aceite.
A professora abriu-lhe as portas mas disse-lhe que só a poderia matricular se os pais acedessem. Falou com o pai, habitualmente mais aberto do que a mãe. Ouviu um não. A única palavra que, sobre esse assunto, a mãe diariamente lhe despeja na cara.
Rosa passa os dias a pensar na escola. Tem corpo e idade para pensar em rapazes. Aos estranhos só fala de rapazes.
A assistente social da Câmara Municipal de Gouveia, que fora uma vez ao Casal tentar convencer os pais a deixarem-na regressar à escola, voltou agora, curiosamente na semana que a SIC passou nos vales da serra. Ouviu, outra vez, o não de Maria.
Rosa ouve música. Passa horas ao telemóvel buscando uma rede inexistente, escrevendo mensagens que nunca envia. Sonha com o príncipe encantado que a leve para lá das muralhas da serra.
Tanto sonha que desespera.
É pastora de cabras; pastora de ovelhas; guia uma junta de bois; colhe o feno, o centeio e as batatas. Está farta da serra, imune à beleza que a paisagem transpira. Há um ano arranjou um confidente. Chama-se "pantufa". O único que, pela ausência de resposta, lhe alimenta a dúvida: "Será que, algum dia, conseguirei sair daqui?" Pantufa diz "ão", o que é mais de metade de um não.
Pedro Coelho
Jornalista
Assim vamos longe com mentalidades como as exibidas na reportagem.
Eu pergunto-me como ainda é possivel existirem casos destes.
[:0] [8)]
Para quem viu a reportagem, vê-se uma paisagem paradisiaca uma calma de fazer inveja ... contudo a pobreza ... de espirito é marcante.
Rosa tem 16 anos acabados de fazer. Vive na Serra da Estrela, num dos Casais de Folgosinho, numa velha quinta arrendada pelo pai. O Casal da Maceira fica a 40 minutos, de jipe, de Folgosinho, uma pequena vila do concelho de Gouveia.
Rosa andou na escola de Folgosinho até aos 14 anos. Fez os 4 anos do primeiro ciclo em 8. Assim que completou a antiga quarta classe, os pais fizeram-na regressar ao vale da serra, transformando-a na principal, por ser a única, ajudante da família.
Os 8 anos de Rosa na escola foram, por isso, algo estratégicos. Tacitamente ter-se-á prolongado o tempo de permanência em nome da continuidade da ligação à escola.
Os pais, pela voz da mãe, há muito que definiram um princípio: "Se o mais velho (Raul de 32 anos) não quis continuar a estudar depois da quarta classe, os outros (Sandra, em parte incerta e com cerca de 20 anos, Rosa 16, Zé a completar 14 e a escassos 5 meses de deixar para sempre a escola) também não hão-de continuar".
Definido o princípio, os filhos de Maria e de Manuel, puderam, portanto, completar o primeiro ciclo, por ser em Folgosinho, mas não tiveram ordem de passar para o segundo ciclo, em Gouveia.
Sandra conformou-se, encontrando outras formas de matar o tempo; Zé conformar-se-á, uma vez que o silêncio apático que lhe molda a personalidade não o irá deixar mover montanhas para perseguir um sonho; Rosa, menina do alto da serra, brava como as pedras, esforça-se por destruir o edifício de argumentos erguido pelos pais.
Há semanas fugiu do casal de bicicleta e passou uns dias em Folgosinho, numa casa que os pais construíram na terra a pensar na velhice.
Escassos dias antes dos 16 anos, apanhou boleia no táxi, que, diariamente, transporta o irmão para a escola de Folgosinho, e foi a Gouveia, falar com a presidente do Conselho Executivo da escola. Pediu-lhe para ser aceite.
A professora abriu-lhe as portas mas disse-lhe que só a poderia matricular se os pais acedessem. Falou com o pai, habitualmente mais aberto do que a mãe. Ouviu um não. A única palavra que, sobre esse assunto, a mãe diariamente lhe despeja na cara.
Rosa passa os dias a pensar na escola. Tem corpo e idade para pensar em rapazes. Aos estranhos só fala de rapazes.
A assistente social da Câmara Municipal de Gouveia, que fora uma vez ao Casal tentar convencer os pais a deixarem-na regressar à escola, voltou agora, curiosamente na semana que a SIC passou nos vales da serra. Ouviu, outra vez, o não de Maria.
Rosa ouve música. Passa horas ao telemóvel buscando uma rede inexistente, escrevendo mensagens que nunca envia. Sonha com o príncipe encantado que a leve para lá das muralhas da serra.
Tanto sonha que desespera.
É pastora de cabras; pastora de ovelhas; guia uma junta de bois; colhe o feno, o centeio e as batatas. Está farta da serra, imune à beleza que a paisagem transpira. Há um ano arranjou um confidente. Chama-se "pantufa". O único que, pela ausência de resposta, lhe alimenta a dúvida: "Será que, algum dia, conseguirei sair daqui?" Pantufa diz "ão", o que é mais de metade de um não.
Pedro Coelho
Jornalista
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