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"Escrevi o livro para eles, os skins" Reportagem PUBLICO.

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    "Escrevi o livro para eles, os skins" Reportagem PUBLICO.

    Como o tema está na ordem do dia, convem no meu entender ler e verificar a experiência vivida por alguém infiltrado nestas organizações.

    Link para a noticia PUBLICO no Original


    Agradece-se que os comentários e o debate neste tópico se manteham dentro das regras do Forum e que se evitem os usuais "Rótulos" , dado que existe tendência em atribuir aos users que possuem uma visão diferente o epíteto de "és isto ou aquilo"
    .


    "Escrevi o livro para eles, os skins"


    25.04.2007

    A música, os rituais esotéricos, as "caçadas" aos comunistas e imigrantes, as claques de futebol, a sensação de poder, o medo, o oportunismo, o ódio. O mundo dos skinheads visto de dentro, por um jornalista infiltrado, com a cabeça rapada e uma câmara oculta por baixo do blusão. Paulo Moura (entrevista) e David Clifford (fotos), em Madrid

    Para a entrevista, Antonio Salas tira a passa-montanhas, deixa apenas o gorro negro e as lentes de contacto que lhe dão uma expressão burlesca. O nome dele não é este, nem é esta a sua cara. Nem esta é a sua vida. Há anos que leva uma existência de infiltrado. Agora mesmo está de passagem rápida por Madrid, no meio de uma investigação em vários pontos do mundo. Muito mais difícil e perigosa do que as duas anteriores. Diário de um Skin e O Ano em que Trafiquei Mulheres já quase lhe custaram a vida. Na última investigação, moveu-se entre bordéis e máfias da prostituição.

    Disfarçado de traficante, chegou a comprar, em Espanha, meninas de 12 anos para prostituir. No trabalho anterior, rapou a cabeça, vestiu um blusão de couro e botas militares e tornou-se um skinhead. Viveu entre os grupos de delinquentes de extrema-direita para poder descrever, do ponto de vista deles, o que fazem, o que pensam e o que sentem. Como sempre, Salas levou debaixo da roupa uma câmara oculta e um gravador. As imagens que recolheu serviram para documentários televisivos mas também como provas judiciais- quase todos os skin que refere foram presos depois da publicação do livro.

    Diário de um Skin, que acaba de ser editado em Portugal pela Livros d"Hoje, da D. Quixote, relata o dia-a-dia dos grupos skinheads em Espanha (e também as ramificações em Portugal), as suas motivações, as suas ideias e, sobretudo, as suas contradições.

    O pensamento dos skins é muito contraditório. Estão ligados à extrema-direita ultra-católica e ao mesmo tempo fazem o culto de símbolos pagão e esotéricos.

    Sim, Hitler e os nazis interessavam-se pelo esoterismo e ocultismo, pelos cultos pagãos dos povos germânicos e da antiga raça ariana. E isso exerce hoje um grande fascínio sobre os jovens skinheads.
    Isso é um dos atractivos do movimento Skinhead?

    Sim, imagine o efeito que tem sobre um jovem de 15 anos, as celebrações do solestício e do equinócio, ou do nascimento do fuhrer (eles dividem a História não em a.C. e d.C., mas em antes e depois de Hitler. Estamos agora, creio, no ano 118 d.H.). Estar, à meia-noite, num castelo medieval, com tochas acesas e bandeiras, a fazer juramentos solenes...

    Eles fazem realmente essas coisas?
    Claro que sim. E há autores, como Miguel Serrano, que estudam esse legado do paganismo, ligando-o às ideias do Nacional Socialismo e às práticas das SS alemãs.

    E os jovens skins estudam essas coisas?
    Sim. Lêem muito, informam-se, e geralmente sabem fundamentar bem as suas ideias, do ponto de vista teórico. Não são estúpidos e incultos, como se pensa.
    Como podem então viver com contradições tão absurdas, como o facto de um skin espanhol ou português ser considerado de raça inferior por um skin alemão ou americano?

    Há um forte movimento skin no Chile, na Colômbia, no Uruguai. Consideram-se os verdadeiros descendentes da raça branca. No entanto aqui chamam-lhes "sudacas" e espancam-nos.
    E qual é a lógica do apoio dos skins a clubes de futebol? Não é também pelo puro prazer da arruaça e da violência?

    A Polícia e os media dizem que são uns jovens irresponsáveis, que fazem travessuras. Só os levam a sério quando morre mesmo alguém. As contradições estão lá todas, nos estádios: podem estar a torcer pelo Real Madrid, mas quando um jogador negro, do Real, apanha a bola, desatam todos a assobiar.
    Isso quer dizer que as ideias racistas estão acima do apoio ao clube.
    Sim. Apoiar o clube e fazer parte da claque é um instrumento.
    Deles ou do próprio clube?

    De ambos. Os skins usam as bancadas como plataforma política. E tanto o fazem os nazis, que estão na Ultrassur, a claque do real Madrid, como os de extrema-esquerda, que apoiam, por exemplo, clubes bascos. Sabem que as câmaras de televisão estão a cobrir um jogo da primeira divisão, muito mais do que as 50 manifestações que pudessem organizar. Se houver um cartaz por trás da baliza, lança uma mensagem para centenas de milhares de espectadores. Por outro lado, os nazis da Ultrassur são mais de mil e têm direito de voto nas eleições para a direcção do clube. Por isso podem ser usados por um certo candidato. Depois há a venda dos produtos dos Ultrassur, camisolas, material de merchandizing. É um imenso negócio e um poderoso meio de propaganda. Foi um escândalo quando os jogadores como Raul ou Figo apareceram em público a fazer publicidade aos produtos da Ultrassur. Para anunciarem a Coca-Cola cobrariam milhões. Aqueles produtos anunciam de graça.

    Porque o fazem?
    É uma troca de favores. Porque a claque realmente funciona, para incitar o público a apoiar o clube. Sempre que fui com eles ao estádio fiquei sem voz por vários dias.

    Mas os jogadores não sabem que os Ultrassur são nazis?
    Bem, se estão na bancada a gritar pelo teu nome com uma bandeira com a cruz gamada e uma fotografia de Rudolf Hess, não é preciso ser muito inteligente...

    Os próprios skins não vão ao estádio também por causa da sensação de pertença e de união, já que a sua ideologia é tão frágil e contraditória?
    Principalmente pela sensação de poder. Acontece em todos os seus eventos, não apenas no futebol. Uma vez a extrema-direita espanhola organizou a projecção de um filme, no teatro Callao, aqui, na Gran Via, de Madrid, sobre os voluntários espanhóis que lutaram ao lado dos nazis na Segunda Guerra Mundial. Éramos cerca de mil cabeças-rapadas e ao sairmos, pela Gran Via, que estava cheia de gente, dei-me conta de que as pessoas se afastavam à nossa passagem. Por medo. Isso dá uma sensação de poder estonteante. Estás com os teus camaradas, os teus irmãos, e não vais ter problemas, porque as ruas são tuas.

    Esse efeito produz-se também nos concertos de música Oi?
    Sim, a música é um veículo importantíssimo. Um dos concertos onde constatei isso pela primeira vez foi dos portugueses Endovélico (que é o nome de um Deus pagão da península). As suas canções não são só música. São uma plataforma política, um megafone para transmitir ideologia. A música é a melhor forma de chegar aos jovens. Para um rapaz de 13 ou 14 anos, é muito mais aborrecido metê-lo três horas num comício do que num concerto.

    Mas provavelmente ele tanto vai a esse concerto como depois vai a outro heavy-metal ou punk...
    Não. A um concerto skin não se vai só pela música. Não são abertos a toda a gente. Para se conseguir entrar, tem de se passar por vários filtros, esperar dois dias até que te digam quando vai ser e onde. Chega-se à cidade e é preciso telefonar para um certo número, para saber o local exacto, etc.

    Nesses concertos, faz-se apelo à violência? Dão-se instruções? Ensina-se doutrina?
    Tudo isso. Eu passei dias a decorar as letras, porque não se pode estar num concerto desses sem cantar em coro. E estando muito tempo a ouvir aquelas músicas, chega um momento em que nos sentimos violentos. As letras fazem a apologia de matar imigrantes, pisar-lhes a cabeça, dar-lhes um tiro. Não são seguramente canções para relaxar.

    Mas ouvir essa música faz-nos sentir violentos, mesmo que não se acredite na ideologia?
    Sim. E eu esforçava-me por sentir o que eles sentiam, porque queria compreender as suas razões, por dentro. Porque existem. Nada é gratuito.

    Os jornalistas geralmente noticiam quando alguém é agredido, mas não explicam, porque não percebem, porquê. Há sempre razões. Não se vai na rua a bater indiscriminadamente nas pessoas. Depende do que se está a discutir no momento. Se há uma reunião contra os homossexuais, vai-se, nesse dia, à caça de homossexuais, porque estão a impedir que nasçam mais bebés brancos. Há sempre uma razão por trás, que é preciso perceber.

    Neste caso, perceber não significa justificar?
    Não. Até porque perceber o que os leva a acreditar naqueles ideias, ter uma visão de conjunto das coisas, pode ajudar os próprios skins a compreender como estão errados.

    Foi isso que aconteceu, depois de lerem o livro?
    Muitos deixaram o movimento depois de lerem o livro. É por isso que acho que valeu a pena. Os skins são idealistas manipulados por toda a gente. Acreditam na superioridade da raça branca e esses disparates. Mas realmente acreditam.

    São manipulados por quem?
    Pelas direcções dos clubes de futebol, por editoras discográficas, e principalmente pelos partidos políticos de extrema-direita, que vivem dos seus votos. Os conservadores que viveram no tempo de Franco ou Salazar vão morrendo e não há nada de cativante para os jovens na ideologia da extrema-direita. Excepto o movimento skin, com a apologia da violência, o esoterismo, etc. É graças a eles que a extrema-direita sobrevive. Além disso, os skinheads são usados por empresas de segurança e até de prostituição e tráfico de armas ou drogas. Eles que são contra as drogas e a prostituição. Por exemplo, José Luis Roberto, que é o ideólogo do nacional-socialismo na Europa, é presidente da Associação dos Bordéis de Espanha. Eu disse às skingirls, que clamam pela expulsão de todos os imigrantes da Europa, que deviam ir trabalhar como prostitutas para o seu líder, para o ajudar, já que 95 por cento das prostitutas dos bordéis da Península Ibérica são sul-americanas, magrebinas ou sub-saarianas.

    Como reagiram as skingirls a isso?
    Elas não sabiam. Ficaram chocadas. Muitas escreveram-me a dizer que abandonavam o movimento.

    Antes de iniciar uma investigação destas, estabelece os limites éticos que deve respeitar?
    Os meus limites são a Lei. Porque eu sou ambicioso. Não me basta fazer uma boa reportagem. Quero que os delinquentes que denuncio vão parar à prisão (até para a minha própria segurança). Por isso quero que as minhas gravações sirvam de prova em tribunal. Se eu participasse de algum crime não o poderia denunciar.
    Mas a lei é uma coisa, a ética jornalística é outra. Era mesmo preciso ter sexo com uma skingirl...
    Sim, porque se o não tivesse feito ela descobria-me a câmara oculta e todo o trabalho estaria comprometido.

    Mas era preciso contar esse episódio no livro?
    É um recurso literário. Os meus livros são como um diário. Conto tudo, desde o princípio, para ser uma narrativa mais atraente e, sobretudo, porque o Diário de um Skin foi escrito para os skin.
    Foi escrito para eles? Isso é para si mais importante do que dar a conhecer ao público aquela realidade?

    Sim. Porque durante um ano da minha vida eles foram os meus camaradas, os meus amigos. Estava com eles 24 horas por dia. Conheci as suas casas, os seus pais e irmãos, até o seu cão. Usei-os, e isso fez-me sentir mal. Por várias vezes me apeteceu tirar a câmara do blusão e contar-lhes tudo. Dizer: olha, sou um filho da **** de um jornalista infiltrado, estou a fazer um trabalho sobre ti. Mas não podia.

    Tem um sentimento de culpa.
    Sim, muito forte. Por isso, o meu objectivo principal, a partir de certa altura, era ajudar aqueles jovens.

    No livro escreve coisas como "naquele momento sentimos o ódio..." Também sentia o ódio?
    Sentia-me violento. Houve dias em saía de casa com ganas de...

    Bater num comunista?
    Um comunista, ou um maricas, não importa. Quando se está de cabeça rapada, com botas militares, a ouvir aquela música, sente-se aquelas coisas. Mas nunca me esqueci do meu papel de jornalista.

    O ódio não tem nada a ver com a ideologia?
    Cheguei a dormir com o Mein Kampf, de Hitler, à cabeceira, e todas as noites lia um capítulo. E houve momentos que tive a impressão de que Hitler estava a falar comigo. Quando, por exemplo, nos reunimos para ver os filmes de Leni Riefenstahl sobre as Olimpíadas de Berlim, com Hitler abrindo os jogos, lembro-me que houve rapazes que caíram de joelhos, numa espécie de ataque de êxtase místico. Eu não cheguei a esse ponto, mas senti a emoção. Mais tarde, tive de consultar um psiquiatra, para poder lidar com estas coisas.

    São ideias contagiosas?
    Sim, é esse o termo. Contagiosas. De vez em quando ainda ouço aquelas músicas
    Têm muita força?
    Sim. São boas para ir ao ginásio

    O P2 do Publico viajou a convite da Dom Quixote

    #2
    Quase sem palavras.

    Ainda há quem pense que os Arianos consideram os Europeus do Sul como raça branca.

    Comentário


      #3
      Muito interessante, gostava de ler o livro. É incrível como o jornalista reconhece que ele próprio chegou a sentir o mesmo ódio que os skins, quando convivemos com algo diáriamente dificilmente ficamos imunes.

      Comentário

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