Eu ganhei 57 mil euros em 2004
psg@mediafin.pt
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Eu ganho 57.329,60 euros. Dividindo por 14, é perto de 4.000 euros brutos por mês. E não tenho dívidas ao fisco. Pronto: já quebrei o meu sigilo fiscal.
Se o fim do segredo dos contribuintes entrasse hoje em vigor, era este o resumo da minha declaração de IRS de 2004 que toda a gente podia consultar na Internet. Como ainda não entrou, a antecipação serve de teste. Submeto-me às consequências:
É provável que os meus colegas de trabalho façam rapidamente contas e comparem aquele valor com o do seu ordenado. É possível que o director deste jornal seja incomodado com as comparações. Talvez os leitores achem importante ou irrelevante e se manifestem no Jornal de Negócios Online. Amigos e conhecidos ficarão a saber mais uma informação sobre mim e pode até ser divertido ver que uso lhe dão. Se alguém me quiser contratar, perco capacidade negocial; mas ganho-a se for eu a querer contratar alguém. Ah!, os meus vizinhos do lado acharão ou não se este rendimento paga aquela casa e aquele automóvel. E o vizinho de baixo poderá sentir a tentação de uma vingança, aliás justificada, pelo ruído que os meus dois filhos não conseguem deixar de fazer. Se o fizer, incomodará mais a administração fiscal do que a mim – desde, claro, que o segredo de justiça seja mantido e eu não seja publicamente condenado por um «crime» de que não serei sequer acusado. Como não sou figura pública estou à partida livre disso. Disso e de outras barbaridades. Porque a curiosidade e a inveja ganham espaço para se exercitarem. Mas daí até ao arrepiante «serviço cívico» da denúncia, vai ainda um espaço.
Este exercício serve para testar a utilidade do fim do sigilo fiscal. Tornar a informação pública no caso das empresas não tem contestação: a transparência é útil para clientes, fornecedores, trabalhadores, financiadores, Estado, concorrentes. Ou seja, é útil para o mercado. Já a informação dos contribuintes individuais será utilizada para fins úteis mas utilizável para fins patéticos ou miseráveis. A inveja é um combustível muito poderoso...
Eu não tenho vergonha, antes orgulho, de ganhar mais de 10 vezes o ordenado mínimo. E quem se maçar com isso pode ir para o diabo. Como José Manuel Moreira relembrava nestas páginas na sexta-feira passada, Lord Bauer, na linha de Stuart Mill, definiu o «igualitarismo» como a «legitimação da inveja». Os senhores sindicalistas da fábrica da GM da Azambuja deviam aliás ler esse texto.
É essa a principal utilidade do fim do sigilo fiscal: a atitude cultural que provoca, que vai começar sempre pela mesquinhez mas que pode evoluir para uma maior sofisticação. Porque isto não é assim tão importante; é aliás tão irrelevante como nós próprios: formigas no carreiro, algumas em sentido contrário. Perder os complexos não faz se não bem. Será por aqui o «país moderno»?
Grande artigo[^]
psg@mediafin.pt
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Eu ganho 57.329,60 euros. Dividindo por 14, é perto de 4.000 euros brutos por mês. E não tenho dívidas ao fisco. Pronto: já quebrei o meu sigilo fiscal.
Se o fim do segredo dos contribuintes entrasse hoje em vigor, era este o resumo da minha declaração de IRS de 2004 que toda a gente podia consultar na Internet. Como ainda não entrou, a antecipação serve de teste. Submeto-me às consequências:
É provável que os meus colegas de trabalho façam rapidamente contas e comparem aquele valor com o do seu ordenado. É possível que o director deste jornal seja incomodado com as comparações. Talvez os leitores achem importante ou irrelevante e se manifestem no Jornal de Negócios Online. Amigos e conhecidos ficarão a saber mais uma informação sobre mim e pode até ser divertido ver que uso lhe dão. Se alguém me quiser contratar, perco capacidade negocial; mas ganho-a se for eu a querer contratar alguém. Ah!, os meus vizinhos do lado acharão ou não se este rendimento paga aquela casa e aquele automóvel. E o vizinho de baixo poderá sentir a tentação de uma vingança, aliás justificada, pelo ruído que os meus dois filhos não conseguem deixar de fazer. Se o fizer, incomodará mais a administração fiscal do que a mim – desde, claro, que o segredo de justiça seja mantido e eu não seja publicamente condenado por um «crime» de que não serei sequer acusado. Como não sou figura pública estou à partida livre disso. Disso e de outras barbaridades. Porque a curiosidade e a inveja ganham espaço para se exercitarem. Mas daí até ao arrepiante «serviço cívico» da denúncia, vai ainda um espaço.
Este exercício serve para testar a utilidade do fim do sigilo fiscal. Tornar a informação pública no caso das empresas não tem contestação: a transparência é útil para clientes, fornecedores, trabalhadores, financiadores, Estado, concorrentes. Ou seja, é útil para o mercado. Já a informação dos contribuintes individuais será utilizada para fins úteis mas utilizável para fins patéticos ou miseráveis. A inveja é um combustível muito poderoso...
Eu não tenho vergonha, antes orgulho, de ganhar mais de 10 vezes o ordenado mínimo. E quem se maçar com isso pode ir para o diabo. Como José Manuel Moreira relembrava nestas páginas na sexta-feira passada, Lord Bauer, na linha de Stuart Mill, definiu o «igualitarismo» como a «legitimação da inveja». Os senhores sindicalistas da fábrica da GM da Azambuja deviam aliás ler esse texto.
É essa a principal utilidade do fim do sigilo fiscal: a atitude cultural que provoca, que vai começar sempre pela mesquinhez mas que pode evoluir para uma maior sofisticação. Porque isto não é assim tão importante; é aliás tão irrelevante como nós próprios: formigas no carreiro, algumas em sentido contrário. Perder os complexos não faz se não bem. Será por aqui o «país moderno»?
Grande artigo[^]
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