Nem todos se preocupam com a questão de saber se a vida tem algum sentido. Na minha maneira de pensar penso que tudo tem um sentido, seja aquilo que fazemos, as metas que nos propomos alcançar (o que refere um sentido e um objectivo e os seus propósitos), aquilo que nos valoriza, a questão da nossa própria existência, os valores que sobresaiem e tudo aquilo que valorizamos perante a vida.
Proponho aqui um momento de auto-análise e reflecção sobre o valor que damos perante a vida.
Já alguma vez pararam para pensar nisso?
Que sentido que dão á vossa vida?
O que significa a vida para vocês?
O que valorizam?
Professora: Dr.ª Ana Pato Catroga
O Sentido da Existência
"O mais extraordinário da vida é não ter para quê"
Vergílio Ferreira
Na vida humana – concreta, frágil; fragilmente concreta e concretamente frágil – o equilíbrio é difícil de alcançar. A dor e infelicidade impedem a satisfação das necessidades; por outro lado, o supérfluo leva à insatisfação permanente. A ausência de problematicidade em nós faz-nos acreditar no carácter absoluto de tudo o que amamos; a dúvida consome-nos num desespero irracionalmente completo.
Pontualmente, a procura inesperada de um sentido para a vida surge na sequência de uma tragédia ou desilusão inesperada, ou mesmo num confronto com a morte que torna urgente uma justificação da existência. Outras vezes, a questão impõe-se no apogeu da prosperidade da vida do indivíduo.
Iludido, toldado pelos objectivos do dia-a-dia, pelas contrariedades que pretende contornar, o homem centra os seus esforços nos objectivos reais e imediatos que ambiciona alcançar: o sentido da vida não é procurado porque a vida é apenas uma sucessão de dias; o quotidiano, de certa maneira, retarda a reflexão quanto à percepção que o homem tem de si e do que o rodeia, e dos fundamentos que estas noções exigem, impedindo-nos de nos perguntarmos sobre o propósito da existência.
No entanto, quer se trate de entendimento racional ou sentimento, a natureza humana tende, a certa altura, a contrariar o hábito que a caracteriza.
Urge encontrar um sentido para a vida.
A existência surge como uma "espécie de brincadeira inútil e perversa" (Leo Tolstoi), como algo sem um fim concreto, sem uma razão mais profunda que possa dissolver a insignificância a que essa falta de sentido nos reduz. Como um génio maligno, que nos enredou em urgências desnecessárias para nos condenar a uma existência totalmente preenchida pelo vazio, o indivíduo apercebe-se de que, apesar de ter uma vida perfeitamente desejável da qual não poderia, objectivamente, exigir mais nada, essa realização não dota a sua vida de um sentido inabalável que o satisfaça.
Richard Taylor afirmava que, se o universo não nos dá respostas, devemos procurar no interior, dotando a vida de um sentido através de actividades que consideramos ser significativas. Porém, embora o homem possa viver através delas, e encontrar nelas uma razão imediata para justificar as suas acções mais simples, estas não vêm dar lugar ao homem no cosmos, não vêm definir uma relação intrínseca entre este e os outros. Se
nada no exterior faz sentido para nós, e aquilo em que apoiamos a nossa existência depende dessas mesmas realidades, de que serve vivermos para nós próprios?
O homem não se consegue justificar por si mesmo. E é precisamente essa realidade que leva à procura incessante de um sentido para aquilo que não pode resumir na sua esfera ou, se o fizer, se consumirá perante o absurdo ou a incerteza.
Assim, impõem-se questões incontornáveis para uma abordagem ao problema do sentido da existência:
-Vale a pena viver?
-Qual é o propósito da nossa existência?
-De onde vimos, de onde vem o mundo, e para onde caminhamos?
O Existencialismo consiste numa análise da existência e do modo de estar do homem pondo, por isso, em causa tanto o modo de ser no mundo, como o próprio mundo e a relação entre estes.
Apesar de se caracterizar esta doutrina como pessimista, Sartre, na obra O Existencialismo é um Humanismo, define-a como sendo capaz de tornar a vida humana possível, e afirma que toda a verdade e toda a acção implicam um meio e uma subjectividade humanas, caracterizando o Humanismo como doutrina de optimismo e acção.
No fundo, o que, segundo o autor, assusta as pessoas é a angústia e a ansiedade da possibilidade de escolha do homem. De facto, este não pode escapar à sua total liberdade e responsabilidade. Assumindo que Deus não existe (existencialismo ateu, de Heidegger, Sartre e outros filósofos franceses), tem de haver uma criatura na qual a existência preceda a essência.
Esse ser é o homem que, primeiramente, existe,e só depois se define, através das suas acções. Nega-se o determinismo: o homem constrói-se a si próprio e, nas escolhas que faz, estão patentes juízos de valor; logo, juntamente com essas preferências, define também uma imagem de homem ideal. De facto, o próximo é indispensável à nossa existência e ao conhecimento que temos de nós próprios.
Como enunciado por Dostoiewsky, "Se Deus não existisse, tudo seria permitido". O homem permanece, assim, abandonado a si próprio, sem valores ou imposições que lhe legitimem ou condenem o comportamento. Está "condenado a ser livre", e não pode negar o peso e importância das suas acções. Neste campo, a filosofia de Sartre
aproxima-se da moral kantiana, no sentido em que sugere que o indivíduo deve agir como se a sua máxima se devesse tornar universal.
O indivíduo é caracterizado como um projecto, como uma construção delineada pelas suas acções: não é nada mais do que a sua vida. Nem as expectativas, sonhos ou ilusões o definem, numa dureza que não deixa de ser optimista, conduzindo à rejeição da quietude e deixando o destino nas mãos do homem... Nada há de mais desejável!
Esta Moral de acção e compromisso defendida por Sartre é a única que confere a devida dignidade ao homem, que lhe dá os créditos pela sua acção, que não faz dele um espectador.
Porém, impõem-se à acção limites objectivos – reconhecíveis em todo o lado – e subjectivos – vividos pelo homem. O âmago do projecto d vida humano é, precisamente, transpor esses limites, num esforço que, compreensível para todos os homens, constrói a universalidade. Detemo-nos, assim, na possibilidade de criar uma comunidade humana.
Quando Sartre afirma que "O Existencialismo é um Humanismo", não se refere ao Humanismo que toma o homem como um fim e valor superior, pois este está sempre inacabado. Para o autor, o verdadeiro Humanismo é aquele que considera o homem sempre fora de si mesmo, projectando-se para criar a sua própria existência e vivendo segundo a perseguição de fins transcendentes, e que não o caracteriza como estando fechado sobre si mesmo, mas num universo humano, o "humanismo existencialista".
Assim, segundo esta corrente filosófica, considera-se que o homem não possui outro legislador para além dele próprio, e que essa situação não se decide quando o ente se vira para si, mas sim quando procura um fim fora de si, realizando-se como ser humano.
Assim, é " necessário que o homem se reencontre e se persuada de que nada pode salvá-lo de si mesmo".
A tese de Sartre revela-se capaz de motivar o mais desesperadamente dissoluto: sugere-nos um sentido para a existência que não só nos permite realizarmo-nos enquanto seres humanos, como possibilita uma liberdade pessoal que se conjuga com a universal após o compromisso, numa comunhão que considera o homem o principal actor... personagem livremente, avidamente e autonomamente criada, num guião de sua completa responsabilidade.
Assim, a questão da inutilidade do nosso esforço é contornada: o homem é desafiado a construir-se a si mesmo, a projectar-se, e já aqui é encontrado um objectivo para a vida, ainda que, novamente, centrado em nós próprios.. Porém, o homem, enquanto legislador, exerce uma acção que o ultrapassa, que se torna universal; logo, o seu contributo perante o mundo parece estar justificado. O sentido da existência torna-se, assim, num equilíbrio
entre a importância das acções do dia-a-dia e as suas próprias repercussões.
O balanço final da responsabilidade leva-nos, numa última análise, à recompensa da certeza de que não somos indiferentes.
A compensação das nossas acções é suficiente para legitimar o desenrolar de toda a nossa vida?
E, na perspectiva da morte, como encarar este esforço contínuo que, instintivamente, desempenhamos?
O amor à vida não é apenas um instinto; a rejeição daquilo que a aniquila, para além de meramente biológica, sustenta toda uma complexidade de interpretações daquela que, numa aproximação mais óbvia, constitui a derradeira e inevitável negação de todas as nossas possibilidades. Nenhuma outra perspectiva isola o homem consigo mesmo, nenhuma o impede de co-existir, o que nos pode fazer considerar que o terror provocado pela morte não é tanto aquilo em que ela consiste, não é tanto o fim da própria vida, mas sim o sentimento de uma vida inacabada, de um mundo que não pára para nos deixar sair, de toda uma eternidade que se opõe à nossa existência fugaz.
Alguns consideram a morte como a geradora da crise existencial, a fonte de todo o absurdo que nos paralisa. A inutilidade do esforço, aliada a essa mesma consciência,conduz a uma angústia incontornável, que coloca o homem perante o nada.
Kafka encontrava a sua existência sob o peso de uma condenação iminente, uma ameaça que o perseguia, certa e ineliminável, com a textura da insignificância e a condenação do vazio, que interrompe a vida e se conclui na morte. Na obra "As Metamorfoses", evocava a insegurança fundamental da vida, exigindo um apelo incessante a uma realidade estável e luminosa que sempre lhe parecia fugir.
A utopia da felicidade plena vê-se destruída: há uma barreira que impede a perfeição, o esplendor total e absoluto.
E este modo de encarar a morte influencia toda a nossa vida.
Porém, muitos filósofos consideram que a morte é precisamente o que dota a vida de um sentido, e é esta também a minha perspectiva: se fôssemos imortais, a ânsia, a urgência de viver não se nos impunham com a mesma intensidade; nenhum projecto poderia considerar-se definitivamente frustrado. Assim, cada acção ganha uma importância mais relevante perante nós próprios, e podemos considerar que a morte desempenha um papel crucial na nossa existência: apressa-nos os passos, confronta-nos com a nossa própria autenticidade, proclama o nosso amor à vida e desenha os nossos destinos com o desejo incompleto da humanidade traída.
Antero de Quental diz-nos que "compreender a morte é a única maneira de saber viver a vida". Na sua opinião, se o homem fosse imortal, não haveria evolução porque este se consideraria absoluto, e venerar-se-ia; é o reconhecimento da sua finitude que o faz procurar o sentido fora de si, e não viver para si próprio.
Muitas vezes, o homem é levado a justificar a sua existência a partir da religião: a promessa de uma vida eterna, posterior a esta, mitifica a morte como o derradeiro portal para aquela que será a recompensa de todos os esforços.
No entanto, considero que, pelo menos no âmbito da filosofia, a religião não deve satisfazer a pergunta sobre a qual nos debruçámos.
De facto, uma vida dominada por ídolos não é uma vida verdadeira. Por vezes, as pessoas encontram um sentido na religião apenas por o procurarem, ou porque desde cedo essa resposta lhes foi dada por terceiros. Em alguns casos, tentam convencer-se a si próprias, na rejeição desesperada de uma existência errante. Produz-se a artificialidade de uma vida interior moldada às necessidades metafísicas que a vida impõe. O sentido da existência não se apresenta como resposta última a uma procura exaustiva que leva à fragilidade desesperada do indivíduo, e à possibilidade de aceitar a hipótese que melhor o satisfaça, ainda que não o resuma.
Albert Camus considera que, se Deus não existe, então a vida é um absurdo, e o homem vive "sem apelo", desafiando a indiferença do mundo, que contrasta com o esforço que lhe dedica. Apesar de não encontrar um sentido para a vida, continua a existir, assumindo o estado de revolta contra a sua condição e toda a criação.
Rejeita, no entanto, o suicídio, limite extremo da concepção do absurdo. Assume que o acto da morte voluntária é um reconhecimento da nossa insignificância perante a vida, que nos ultrapassa.
O suicídio não demonstra uma rejeição da vida; pelo contrário, evidencia precisamente que gostamos de viver. Porém, a nossa existência não é aquela que escolhemos, ou nós próprios não somos o que ambicionávamos. O desejo de morrer surge quando perdemos a vontade de nos encararmos a nós próprios quando, ainda dispostos a amar, nos sentimos incapazes de provocar nos outros o mesmo intento. A morte voluntária não é essencialmente uma afirmação de indiferença, mas de impotência.
Não é, muitas vezes, uma desilusão com a vida, mas sim um lamento desesperado daquilo que não somos, que não fizemos, daquilo que no nosso passado nos persegue, da tortura das impossibilidades do futuro, que tornam o presente num olhar sobre tudo o que, fazendo parte de nós, nos afasta da nossa própria natureza.
"Antes de viverdes, a vida não é nada, mas de vós depende dar-lhe um sentido, e o valor
não é outra coisa senão esse sentido que escolherdes."
Jean-Paul Sartre
Muitos filósofos e/ou autores tentam eliminar a questão do sentido da existência através de respostas tão simples que desencorajam os mais extremistas ou, por vezes, através da ironia. Se, por escassos momentos, nos isolarmos de toda a parafernália de questões que a angústia existencial levanta, podemos chegar à conclusão de que, efectivamente, não é o facto de não encontrarmos um sentido para a nossa vida que a destitui de valor.
Porém, é esse mesmo sentido que dota as nossas acções de uma certeza e um alento que não conseguimos encontrar numa análise imediata a nós mesmos, e a insignificância e banalidade das atitudes repetitivas do quotidiano acabam por dissecar o homem da sua própria humanidade.
Podemos, por isso, considerar que a nossa vida não adquire um valor quando lhe encontramos um sentido, mas que nós próprios nos justificamos enquanto seres, não propriamente à nossa acção, mas à nossa natureza, que a irá implicar. Procuramos a voz da consciência, de chamamento para o nosso verdadeiro eu; agrada-nos, de certa forma, a ideia fugaz de uma existência errante, mas apenas enquanto, interiormente, nos estiver assegurado o espanto da descoberta de que temos uma razão de existir.
Assumir que a vida não tem sentido é encarar a vida como não tendo sentido, é negarmo-nos a nós próprios, é ridicularizar cada vez que nos assumimos como entes conscientes de nós mesmos.
Encontrar sentido nas pequenas acções é resumirmo-nos a uma vida imediata, à quebra com a humanidade, ao abandono de um conceito de co-existência e de contextualização histórica, espacial e social . Talvez assim me contradiga a mim mesma: embora ambicione alcançar um conceito global de existência, e critique a valorização das pequenas acções, acabo por me confinar ao meu espaço... è, no entanto, diferente descobrir o sentido integrada num contexto, no meu contexto, ou resumir o sentido a cada contexto, a uma situação imediata, a um conjunto de pensamentos fugidios que nada dizem de mim, do que sou ou de para onde vou... Sem querer assumir um pensamento megalomaníaco, nada disso nos justifica, a não ser que daí saibamos extrair um significado mais abstracto.
Será a existência um meio para o homem, ou este um meio para a existência?
O homem deve considerar como objectivo a sua perfeição (perfidamente inatingível!), a satisfação completa, como meta para a sua vida; ou virar-se para o exterior, ver a sua própria existência como um fim, uma existência integrada no mundo, a qual ele deve servir, encontrando nos outros e na sua acção perante eles a sua compensação?
Na verdade, e como dito no início do trabalho, o equilíbrio, difícil de atingir,será o mais louvável.
Devemos ter em conta o nosso crescimento como indivíduos, a capacidade de nos avaliarmos exteriormente sem perder as amarras que nos prendem ao nosso eu mais íntimo, a constante e consciente evolução da nossa moralidade; tudo isto para que a nossa acção se legitime perante os outros, para que ganhemos a confiança, o respeito e a capacidade de sermos amados. O sentido não deve ambicionar uma recompensa divina; devemos garantir a nossa felicidade por aquilo de que nos podemos assegurar.
O que de mais precioso possuímos é a nossa liberdade: é esta o sentido da nossa existência; que nos permite tomar a responsabilidade, que dá valor às nossas acções, que nos define enquanto indivíduos, que é a causa da discórdia; da tragédia e da felicidade suprema. Sermos livres perante nós mesmos e perante os outros; manejar essa liberdade sem condenar o instinto ou a razão ao esquecimento: eis um sentido para a existência que me torna mais humana.
https://www.esjf.interacesso.pt/estr...Existencia.pdf
Proponho aqui um momento de auto-análise e reflecção sobre o valor que damos perante a vida.
Já alguma vez pararam para pensar nisso?
Que sentido que dão á vossa vida?
O que significa a vida para vocês?
O que valorizam?
Professora: Dr.ª Ana Pato Catroga
O Sentido da Existência
"O mais extraordinário da vida é não ter para quê"
Vergílio Ferreira
Na vida humana – concreta, frágil; fragilmente concreta e concretamente frágil – o equilíbrio é difícil de alcançar. A dor e infelicidade impedem a satisfação das necessidades; por outro lado, o supérfluo leva à insatisfação permanente. A ausência de problematicidade em nós faz-nos acreditar no carácter absoluto de tudo o que amamos; a dúvida consome-nos num desespero irracionalmente completo.
Pontualmente, a procura inesperada de um sentido para a vida surge na sequência de uma tragédia ou desilusão inesperada, ou mesmo num confronto com a morte que torna urgente uma justificação da existência. Outras vezes, a questão impõe-se no apogeu da prosperidade da vida do indivíduo.
Iludido, toldado pelos objectivos do dia-a-dia, pelas contrariedades que pretende contornar, o homem centra os seus esforços nos objectivos reais e imediatos que ambiciona alcançar: o sentido da vida não é procurado porque a vida é apenas uma sucessão de dias; o quotidiano, de certa maneira, retarda a reflexão quanto à percepção que o homem tem de si e do que o rodeia, e dos fundamentos que estas noções exigem, impedindo-nos de nos perguntarmos sobre o propósito da existência.
No entanto, quer se trate de entendimento racional ou sentimento, a natureza humana tende, a certa altura, a contrariar o hábito que a caracteriza.
Urge encontrar um sentido para a vida.
A existência surge como uma "espécie de brincadeira inútil e perversa" (Leo Tolstoi), como algo sem um fim concreto, sem uma razão mais profunda que possa dissolver a insignificância a que essa falta de sentido nos reduz. Como um génio maligno, que nos enredou em urgências desnecessárias para nos condenar a uma existência totalmente preenchida pelo vazio, o indivíduo apercebe-se de que, apesar de ter uma vida perfeitamente desejável da qual não poderia, objectivamente, exigir mais nada, essa realização não dota a sua vida de um sentido inabalável que o satisfaça.
Richard Taylor afirmava que, se o universo não nos dá respostas, devemos procurar no interior, dotando a vida de um sentido através de actividades que consideramos ser significativas. Porém, embora o homem possa viver através delas, e encontrar nelas uma razão imediata para justificar as suas acções mais simples, estas não vêm dar lugar ao homem no cosmos, não vêm definir uma relação intrínseca entre este e os outros. Se
nada no exterior faz sentido para nós, e aquilo em que apoiamos a nossa existência depende dessas mesmas realidades, de que serve vivermos para nós próprios?
O homem não se consegue justificar por si mesmo. E é precisamente essa realidade que leva à procura incessante de um sentido para aquilo que não pode resumir na sua esfera ou, se o fizer, se consumirá perante o absurdo ou a incerteza.
Assim, impõem-se questões incontornáveis para uma abordagem ao problema do sentido da existência:
-Vale a pena viver?
-Qual é o propósito da nossa existência?
-De onde vimos, de onde vem o mundo, e para onde caminhamos?
O Existencialismo consiste numa análise da existência e do modo de estar do homem pondo, por isso, em causa tanto o modo de ser no mundo, como o próprio mundo e a relação entre estes.
Apesar de se caracterizar esta doutrina como pessimista, Sartre, na obra O Existencialismo é um Humanismo, define-a como sendo capaz de tornar a vida humana possível, e afirma que toda a verdade e toda a acção implicam um meio e uma subjectividade humanas, caracterizando o Humanismo como doutrina de optimismo e acção.
No fundo, o que, segundo o autor, assusta as pessoas é a angústia e a ansiedade da possibilidade de escolha do homem. De facto, este não pode escapar à sua total liberdade e responsabilidade. Assumindo que Deus não existe (existencialismo ateu, de Heidegger, Sartre e outros filósofos franceses), tem de haver uma criatura na qual a existência preceda a essência.
Esse ser é o homem que, primeiramente, existe,e só depois se define, através das suas acções. Nega-se o determinismo: o homem constrói-se a si próprio e, nas escolhas que faz, estão patentes juízos de valor; logo, juntamente com essas preferências, define também uma imagem de homem ideal. De facto, o próximo é indispensável à nossa existência e ao conhecimento que temos de nós próprios.
Como enunciado por Dostoiewsky, "Se Deus não existisse, tudo seria permitido". O homem permanece, assim, abandonado a si próprio, sem valores ou imposições que lhe legitimem ou condenem o comportamento. Está "condenado a ser livre", e não pode negar o peso e importância das suas acções. Neste campo, a filosofia de Sartre
aproxima-se da moral kantiana, no sentido em que sugere que o indivíduo deve agir como se a sua máxima se devesse tornar universal.
O indivíduo é caracterizado como um projecto, como uma construção delineada pelas suas acções: não é nada mais do que a sua vida. Nem as expectativas, sonhos ou ilusões o definem, numa dureza que não deixa de ser optimista, conduzindo à rejeição da quietude e deixando o destino nas mãos do homem... Nada há de mais desejável!
Esta Moral de acção e compromisso defendida por Sartre é a única que confere a devida dignidade ao homem, que lhe dá os créditos pela sua acção, que não faz dele um espectador.
Porém, impõem-se à acção limites objectivos – reconhecíveis em todo o lado – e subjectivos – vividos pelo homem. O âmago do projecto d vida humano é, precisamente, transpor esses limites, num esforço que, compreensível para todos os homens, constrói a universalidade. Detemo-nos, assim, na possibilidade de criar uma comunidade humana.
Quando Sartre afirma que "O Existencialismo é um Humanismo", não se refere ao Humanismo que toma o homem como um fim e valor superior, pois este está sempre inacabado. Para o autor, o verdadeiro Humanismo é aquele que considera o homem sempre fora de si mesmo, projectando-se para criar a sua própria existência e vivendo segundo a perseguição de fins transcendentes, e que não o caracteriza como estando fechado sobre si mesmo, mas num universo humano, o "humanismo existencialista".
Assim, segundo esta corrente filosófica, considera-se que o homem não possui outro legislador para além dele próprio, e que essa situação não se decide quando o ente se vira para si, mas sim quando procura um fim fora de si, realizando-se como ser humano.
Assim, é " necessário que o homem se reencontre e se persuada de que nada pode salvá-lo de si mesmo".
A tese de Sartre revela-se capaz de motivar o mais desesperadamente dissoluto: sugere-nos um sentido para a existência que não só nos permite realizarmo-nos enquanto seres humanos, como possibilita uma liberdade pessoal que se conjuga com a universal após o compromisso, numa comunhão que considera o homem o principal actor... personagem livremente, avidamente e autonomamente criada, num guião de sua completa responsabilidade.
Assim, a questão da inutilidade do nosso esforço é contornada: o homem é desafiado a construir-se a si mesmo, a projectar-se, e já aqui é encontrado um objectivo para a vida, ainda que, novamente, centrado em nós próprios.. Porém, o homem, enquanto legislador, exerce uma acção que o ultrapassa, que se torna universal; logo, o seu contributo perante o mundo parece estar justificado. O sentido da existência torna-se, assim, num equilíbrio
entre a importância das acções do dia-a-dia e as suas próprias repercussões.
O balanço final da responsabilidade leva-nos, numa última análise, à recompensa da certeza de que não somos indiferentes.
A compensação das nossas acções é suficiente para legitimar o desenrolar de toda a nossa vida?
E, na perspectiva da morte, como encarar este esforço contínuo que, instintivamente, desempenhamos?
O amor à vida não é apenas um instinto; a rejeição daquilo que a aniquila, para além de meramente biológica, sustenta toda uma complexidade de interpretações daquela que, numa aproximação mais óbvia, constitui a derradeira e inevitável negação de todas as nossas possibilidades. Nenhuma outra perspectiva isola o homem consigo mesmo, nenhuma o impede de co-existir, o que nos pode fazer considerar que o terror provocado pela morte não é tanto aquilo em que ela consiste, não é tanto o fim da própria vida, mas sim o sentimento de uma vida inacabada, de um mundo que não pára para nos deixar sair, de toda uma eternidade que se opõe à nossa existência fugaz.
Alguns consideram a morte como a geradora da crise existencial, a fonte de todo o absurdo que nos paralisa. A inutilidade do esforço, aliada a essa mesma consciência,conduz a uma angústia incontornável, que coloca o homem perante o nada.
Kafka encontrava a sua existência sob o peso de uma condenação iminente, uma ameaça que o perseguia, certa e ineliminável, com a textura da insignificância e a condenação do vazio, que interrompe a vida e se conclui na morte. Na obra "As Metamorfoses", evocava a insegurança fundamental da vida, exigindo um apelo incessante a uma realidade estável e luminosa que sempre lhe parecia fugir.
A utopia da felicidade plena vê-se destruída: há uma barreira que impede a perfeição, o esplendor total e absoluto.
E este modo de encarar a morte influencia toda a nossa vida.
Porém, muitos filósofos consideram que a morte é precisamente o que dota a vida de um sentido, e é esta também a minha perspectiva: se fôssemos imortais, a ânsia, a urgência de viver não se nos impunham com a mesma intensidade; nenhum projecto poderia considerar-se definitivamente frustrado. Assim, cada acção ganha uma importância mais relevante perante nós próprios, e podemos considerar que a morte desempenha um papel crucial na nossa existência: apressa-nos os passos, confronta-nos com a nossa própria autenticidade, proclama o nosso amor à vida e desenha os nossos destinos com o desejo incompleto da humanidade traída.
Antero de Quental diz-nos que "compreender a morte é a única maneira de saber viver a vida". Na sua opinião, se o homem fosse imortal, não haveria evolução porque este se consideraria absoluto, e venerar-se-ia; é o reconhecimento da sua finitude que o faz procurar o sentido fora de si, e não viver para si próprio.
Muitas vezes, o homem é levado a justificar a sua existência a partir da religião: a promessa de uma vida eterna, posterior a esta, mitifica a morte como o derradeiro portal para aquela que será a recompensa de todos os esforços.
No entanto, considero que, pelo menos no âmbito da filosofia, a religião não deve satisfazer a pergunta sobre a qual nos debruçámos.
De facto, uma vida dominada por ídolos não é uma vida verdadeira. Por vezes, as pessoas encontram um sentido na religião apenas por o procurarem, ou porque desde cedo essa resposta lhes foi dada por terceiros. Em alguns casos, tentam convencer-se a si próprias, na rejeição desesperada de uma existência errante. Produz-se a artificialidade de uma vida interior moldada às necessidades metafísicas que a vida impõe. O sentido da existência não se apresenta como resposta última a uma procura exaustiva que leva à fragilidade desesperada do indivíduo, e à possibilidade de aceitar a hipótese que melhor o satisfaça, ainda que não o resuma.
Albert Camus considera que, se Deus não existe, então a vida é um absurdo, e o homem vive "sem apelo", desafiando a indiferença do mundo, que contrasta com o esforço que lhe dedica. Apesar de não encontrar um sentido para a vida, continua a existir, assumindo o estado de revolta contra a sua condição e toda a criação.
Rejeita, no entanto, o suicídio, limite extremo da concepção do absurdo. Assume que o acto da morte voluntária é um reconhecimento da nossa insignificância perante a vida, que nos ultrapassa.
O suicídio não demonstra uma rejeição da vida; pelo contrário, evidencia precisamente que gostamos de viver. Porém, a nossa existência não é aquela que escolhemos, ou nós próprios não somos o que ambicionávamos. O desejo de morrer surge quando perdemos a vontade de nos encararmos a nós próprios quando, ainda dispostos a amar, nos sentimos incapazes de provocar nos outros o mesmo intento. A morte voluntária não é essencialmente uma afirmação de indiferença, mas de impotência.
Não é, muitas vezes, uma desilusão com a vida, mas sim um lamento desesperado daquilo que não somos, que não fizemos, daquilo que no nosso passado nos persegue, da tortura das impossibilidades do futuro, que tornam o presente num olhar sobre tudo o que, fazendo parte de nós, nos afasta da nossa própria natureza.
"Antes de viverdes, a vida não é nada, mas de vós depende dar-lhe um sentido, e o valor
não é outra coisa senão esse sentido que escolherdes."
Jean-Paul Sartre
Muitos filósofos e/ou autores tentam eliminar a questão do sentido da existência através de respostas tão simples que desencorajam os mais extremistas ou, por vezes, através da ironia. Se, por escassos momentos, nos isolarmos de toda a parafernália de questões que a angústia existencial levanta, podemos chegar à conclusão de que, efectivamente, não é o facto de não encontrarmos um sentido para a nossa vida que a destitui de valor.
Porém, é esse mesmo sentido que dota as nossas acções de uma certeza e um alento que não conseguimos encontrar numa análise imediata a nós mesmos, e a insignificância e banalidade das atitudes repetitivas do quotidiano acabam por dissecar o homem da sua própria humanidade.
Podemos, por isso, considerar que a nossa vida não adquire um valor quando lhe encontramos um sentido, mas que nós próprios nos justificamos enquanto seres, não propriamente à nossa acção, mas à nossa natureza, que a irá implicar. Procuramos a voz da consciência, de chamamento para o nosso verdadeiro eu; agrada-nos, de certa forma, a ideia fugaz de uma existência errante, mas apenas enquanto, interiormente, nos estiver assegurado o espanto da descoberta de que temos uma razão de existir.
Assumir que a vida não tem sentido é encarar a vida como não tendo sentido, é negarmo-nos a nós próprios, é ridicularizar cada vez que nos assumimos como entes conscientes de nós mesmos.
Encontrar sentido nas pequenas acções é resumirmo-nos a uma vida imediata, à quebra com a humanidade, ao abandono de um conceito de co-existência e de contextualização histórica, espacial e social . Talvez assim me contradiga a mim mesma: embora ambicione alcançar um conceito global de existência, e critique a valorização das pequenas acções, acabo por me confinar ao meu espaço... è, no entanto, diferente descobrir o sentido integrada num contexto, no meu contexto, ou resumir o sentido a cada contexto, a uma situação imediata, a um conjunto de pensamentos fugidios que nada dizem de mim, do que sou ou de para onde vou... Sem querer assumir um pensamento megalomaníaco, nada disso nos justifica, a não ser que daí saibamos extrair um significado mais abstracto.
Será a existência um meio para o homem, ou este um meio para a existência?
O homem deve considerar como objectivo a sua perfeição (perfidamente inatingível!), a satisfação completa, como meta para a sua vida; ou virar-se para o exterior, ver a sua própria existência como um fim, uma existência integrada no mundo, a qual ele deve servir, encontrando nos outros e na sua acção perante eles a sua compensação?
Na verdade, e como dito no início do trabalho, o equilíbrio, difícil de atingir,será o mais louvável.
Devemos ter em conta o nosso crescimento como indivíduos, a capacidade de nos avaliarmos exteriormente sem perder as amarras que nos prendem ao nosso eu mais íntimo, a constante e consciente evolução da nossa moralidade; tudo isto para que a nossa acção se legitime perante os outros, para que ganhemos a confiança, o respeito e a capacidade de sermos amados. O sentido não deve ambicionar uma recompensa divina; devemos garantir a nossa felicidade por aquilo de que nos podemos assegurar.
O que de mais precioso possuímos é a nossa liberdade: é esta o sentido da nossa existência; que nos permite tomar a responsabilidade, que dá valor às nossas acções, que nos define enquanto indivíduos, que é a causa da discórdia; da tragédia e da felicidade suprema. Sermos livres perante nós mesmos e perante os outros; manejar essa liberdade sem condenar o instinto ou a razão ao esquecimento: eis um sentido para a existência que me torna mais humana.
https://www.esjf.interacesso.pt/estr...Existencia.pdf
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