Pedro S. Guerreiro
O arrastão no imposto automóvel
psg@mediafin.pt
Nos últimos dias, deu-se um surto mediático sobre a possibilidade dos portugueses exigirem ao Estado que lhes devolva o IVA nos automóveis adquiridos nos últimos anos. Mas esta fúria informativa tem tanto de espectacular como de artificial. E convém reconhecer que os grandes propulsores desse surto são “os fiscalistas”: ...
E convém reconhecer que os grandes propulsores desse surto são “os fiscalistas”: gente que quer ser contratada para reparar as injustiças fiscais; e que é, portanto, a primeira a beneficiar de uma hipotética corrida litigante contra o Estado. Os advogados são independentes, mas não são insuspeitos.
A tributação automóvel mudou há meia dúzia de dias: uma filosofia que onera mais a posse e menos a aquisição; um estímulo fiscal à compra de veículos menos poluentes. Óptimas intenções. Óptimos pretextos?
Esta reforma foi reclamada durante anos mas pode ter sido uma oportunidade perdida. O pecado original (e ilegal) da dupla tributação mantém-se. Por ignorância ou teimosia? Não: por necessidade. O problema de terminá-la está no período de transição em que a receita baixa, o que só poderia ser compensado com o aumento de um dos outros impostos.
O estímulo fiscal à compra de automóveis menos inimigos do ambiente é outro dos argumentos invocados para esta reforma. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais já foi elogiado por esse mecanismo, que vai mais longe do que a União Europeia propunha como mínimos olímpicos. E mesmo que nos pareça pequeno esse estímulo, devemos dar o benefício da dúvida e aceitar que neste caso há mais do que um aproveitamento do politicamente correcto argumento ambiental: funciona sempre.
Mas falta medir o impacto da redução dos impostos na compra de automóveis compensado pelo aumento das taxas sobre a circulação. Mal comparado, a filosofia é semelhante à que presidiu à reforma da tributação do património, quando a sisa foi substituída por um IMT mais baixo e a contribuição autárquica trocada por um IMI mais alto. Paga-se menos na compra, paga-se mais durante todos os anos da posse.
A comparação entre automóvel e património não é rigorosa porque se introduziu uma reavaliação de imóveis, que mudou (e está a mudar) a imoralidade que subsistia entre palacetes antigos que pagavam tostões e casas de duas assoalhadas que pagavam milhões; e também porque a fuga fiscal era fácil nos imóveis e é difícil nos automóveis. Mas noutro aspecto as duas reformas são comuns: ambas vão resultar, a prazo, num aumento da receita fiscal. Nos automóveis, diz a Anecra, ao fim de cinco anos o Estado já está a lucrar. E os contribuintes a perder.
A reforma do automóvel tem várias bondades, mesmo que o abaixamento nos preços de compra seja percentualmente baixo, contra um aumento alto no imposto anual de circulação. Mas padece de oportunismo fiscal: visa aumentar a receita do Estado.
Mas o que também existe é oportunismo “fiscalista”, que pretende aumentar as receitas dos advogados: a Comissão Europeia condenou a dupla tributação em Portugal mas não há ainda sentença final. Há anos que associações como ACP admitem processar o Estado, o que nunca fizeram porque provavelmente perderiam. Para ganhar, é preciso que na União Europeia se crie jurisprudência. Ora, a sentença não sairá antes de 2009. Ou daqui a dois anos de honorários aos advogados... Até lá, a excitação dos milhões que o Estado pode ter de devolver aos portugueses é como o célebre arrastão de Carcavelos: todos os jornais noticiaram, mas ele nunca aconteceu.
O arrastão no imposto automóvel
psg@mediafin.pt
Nos últimos dias, deu-se um surto mediático sobre a possibilidade dos portugueses exigirem ao Estado que lhes devolva o IVA nos automóveis adquiridos nos últimos anos. Mas esta fúria informativa tem tanto de espectacular como de artificial. E convém reconhecer que os grandes propulsores desse surto são “os fiscalistas”: ...
E convém reconhecer que os grandes propulsores desse surto são “os fiscalistas”: gente que quer ser contratada para reparar as injustiças fiscais; e que é, portanto, a primeira a beneficiar de uma hipotética corrida litigante contra o Estado. Os advogados são independentes, mas não são insuspeitos.
A tributação automóvel mudou há meia dúzia de dias: uma filosofia que onera mais a posse e menos a aquisição; um estímulo fiscal à compra de veículos menos poluentes. Óptimas intenções. Óptimos pretextos?
Esta reforma foi reclamada durante anos mas pode ter sido uma oportunidade perdida. O pecado original (e ilegal) da dupla tributação mantém-se. Por ignorância ou teimosia? Não: por necessidade. O problema de terminá-la está no período de transição em que a receita baixa, o que só poderia ser compensado com o aumento de um dos outros impostos.
O estímulo fiscal à compra de automóveis menos inimigos do ambiente é outro dos argumentos invocados para esta reforma. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais já foi elogiado por esse mecanismo, que vai mais longe do que a União Europeia propunha como mínimos olímpicos. E mesmo que nos pareça pequeno esse estímulo, devemos dar o benefício da dúvida e aceitar que neste caso há mais do que um aproveitamento do politicamente correcto argumento ambiental: funciona sempre.
Mas falta medir o impacto da redução dos impostos na compra de automóveis compensado pelo aumento das taxas sobre a circulação. Mal comparado, a filosofia é semelhante à que presidiu à reforma da tributação do património, quando a sisa foi substituída por um IMT mais baixo e a contribuição autárquica trocada por um IMI mais alto. Paga-se menos na compra, paga-se mais durante todos os anos da posse.
A comparação entre automóvel e património não é rigorosa porque se introduziu uma reavaliação de imóveis, que mudou (e está a mudar) a imoralidade que subsistia entre palacetes antigos que pagavam tostões e casas de duas assoalhadas que pagavam milhões; e também porque a fuga fiscal era fácil nos imóveis e é difícil nos automóveis. Mas noutro aspecto as duas reformas são comuns: ambas vão resultar, a prazo, num aumento da receita fiscal. Nos automóveis, diz a Anecra, ao fim de cinco anos o Estado já está a lucrar. E os contribuintes a perder.
A reforma do automóvel tem várias bondades, mesmo que o abaixamento nos preços de compra seja percentualmente baixo, contra um aumento alto no imposto anual de circulação. Mas padece de oportunismo fiscal: visa aumentar a receita do Estado.
Mas o que também existe é oportunismo “fiscalista”, que pretende aumentar as receitas dos advogados: a Comissão Europeia condenou a dupla tributação em Portugal mas não há ainda sentença final. Há anos que associações como ACP admitem processar o Estado, o que nunca fizeram porque provavelmente perderiam. Para ganhar, é preciso que na União Europeia se crie jurisprudência. Ora, a sentença não sairá antes de 2009. Ou daqui a dois anos de honorários aos advogados... Até lá, a excitação dos milhões que o Estado pode ter de devolver aos portugueses é como o célebre arrastão de Carcavelos: todos os jornais noticiaram, mas ele nunca aconteceu.
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